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L'amour fou: as maiores loucuras de amor

02 Dec 2020
By Sara Andrade

Bilhetinhos de amor na primária e mixtapes de slows no liceu? As demonstrações apaixonadas que se seguem fazem todas as outras parecer brincadeiras de criança.

Bilhetinhos de amor na primária e mixtapes de slows no liceu? As demonstrações apaixonadas que se seguem fazem todas as outras parecer brincadeiras de criança.

 

"Todas as cartas de amor são ridículas”, já dizia Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. Porque “as cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas.” Mas o que é ridículo é pensarmos pequenino quando se trata de amor. Intenso, irracional, insano. Quando o amor é louco, demonstrá-lo só pode ser feito de forma lunática – umas vezes para o bem, outras vezes para o mal. Porque nem sempre há um final feliz quando o coração bate mais forte que a mente. Quando a devoção vale por mil cartas de amor, quão ridícula é? Quando o ato implica mover montanhas e extrapolar desejos, quão ridículo é? É ridiculamente extravagante. Quando provar à cara metade que é a alma gémea que nos completa e tinta sobre tela parece um eufemismo para a paixão assolapada, dizer “amo-te” só se consegue com construções megalómanas, aquisições de empresas e diamantes – bem como bolsos sem fundo. Nestes exemplos, cortesia da História, estamos tanto de coração cheio como com o cérebro a fritar.

Truly, madly, deeply: Shah Jahan, Mumtaz Mahal &Taj Mahal

O mausoléu em mármore, datado de 1653, na margem sul do rio Yamuna, perto de Agra, Índia, que hoje é monumento mundial, foi mandado construir pelo imperador Shah Jahan para a sua mulher, Mumtaz Mahal. É uma das Novas Maravilhas do Mundo, mas mais maravilhosa é a história de amor impregnada em cada uma das suas lajes. Um testamento do amor de Shah Jahan por Mumtaz Mahal, que conheceu em 1607, tinha então 16 anos. Neto de Akbar, o Grande, este Príncipe Khurram (como era chamado antes de assumir o império) era conhecido por andar pelos bazares reais, lançando charme às raparigas das bancas – foi numa delas que encontrou Arjumand Banu Begum, de 15 anos, filha do então futuro primeiro-ministro e cuja tia era casada com o pai do Príncipe Khurram. O amor foi à primeira vista, o casamento não: Khurram teve de casar primeiro com Kandahari Begum e só depois pôde contrair matrimónio com Arjumand, a 27 de março de 1612. Ela passou a chamar-se Mumtaz Mahal, “a escolhida do palácio” – o que é relevante, tendo em conta que Shah Jahan tinha várias mulheres – e era adorada pelo imperador e pelo povo, pela sua faceta benevolente, coração generoso e inteligência (fazia listas de viúvas e órfãos para garantir que recebiam comida e dinheiro). O casal teve 14 filhos juntos, mas Mahal morreu pouco depois do nascimento do último rebento. Em 1631, três anos depois de Shah Jahan assumir o reino, o imperador afastou-se de Agra, para Deccan, para combater uma rebelião liderada por Khan Jahan Lodi. Mumtaz, quase no final da gestação, acompanhou o marido, dando à luz uma menina no acampamento militar. Apesar de parecer bem, o seu estado de saúde deteriorou-se, e acabou por falecer nos braços do marido 24 horas depois, a 17 de junho. Foi sepultada de imediato, perto do acampamento, em Burbanpur, conforme manda a tradição islâmica, ainda que o seu corpo tenha sido trasladado assim que a batalha cessou. Dizem que a angústia de Shah Jahan foi tal que o imperador chorou incessantemente ao longo de oito dias, na sua tenda, e que quando saiu estava consideravelmente mais velho, de cabelo grisalho e com óculos. O escape para o seu desgosto foi dedicar-se a desenhar um complexo mausoléu capaz de envergonhar todos os anteriores do género. Único por várias razões, mas também por ser o primeiro de grandes dimensões dedicado a uma mulher, acredita-se que foi Jahan, um apaixonado por arquitetura, a conceber o plano (com a ajuda de uma série de especialistas na área), cujo intuito para este Taj Mahal, a “coroa da região”, era que representasse o Paraíso – Jannah – na Terra. E iria fazê-lo – e fê-lo – sem olhar a despesas. Ao longo dos 22 anos da sua construção, e porque Jahan queria que ficasse pronto rapidamente, foram recrutados cerca de 20 mil trabalhadores, alojados numa cidade construída propositadamente para o efeito, Mumtazabad, para fazer erigir este mausoléu em mármore branco sobre o túmulo de Arjumand Banu Begum. O mármore usado foi recolhido de uma pedreira a mais de 300 quilómetros de Agra, em Makrana, e diz-se que foram necessários mais de mil elefantes e uma incontável manada de touros para deslocar a matéria-prima até ao local. Aí foi colocada a base, depois o mausoléu com a sua cúpula, quatro pilares de 43 metros de altura nos cantos da base octogonal, depois uma mesquita e o jawab (uma falsa mesquita para equilibrar). Inserido numa área de 17 hectares, que inclui o mausoléu principal de 3.600 metros quadrados, jardins de 90 mil metros quadrados, uma guest house e a mesquita, as paredes deste edifício com uma altura total de 73 metros sobre uma base de mármore de quase 100 metros de largura são também intrinsecamente ornamentadas e esculpidas com frisos de mármore com baixos-relevos, e decorados com pedras semipreciosas (como mármore amarelo, jade, quartzo polido, entre outras) em desenhos estilizados de flores, frutos e outros vegetais. Há passagens do Corão inscritas um pouco por todo o empreendimento, criadas pelo calígrafo persa da corte mogol Amanat Khan, com letras incrustadas com quartzo opaco. O custo total do empreendimento estima-se que foi de 50 milhões de rupias indianas, qualquer coisa como 1.400 milhões de euros (com alguma margem para erro, devido às conversões potencialmente desatualizadas). Ainda assim, uma inegável fortuna. Diz-se ainda que Shah Jahan queria ainda construir uma versão do Taj Mahal a negro, um mausoléu para si próprio em frente ao da sua amada – numa espécie de reflexo versão Yin para o Yang de Mumtaz – mas que não o conseguiu completar porque o seu quarto filho, aproveitando-se da distração do pai causada pelo desgosto da morte de Mumtaz, matou os irmãos mais velhos para usurpar o trono. E foi bem-sucedido, enclausurando o pai no Forte Vermelho de Agra, passando os últimos anos da sua vida a olhar para o Taj Mahal, onde foi finalmente sepultado ao lado de Mumtaz, pelo filho usurpador, depois da sua morte, a 22 de janeiro de 1666. Apesar de muitos arqueólogos modernos acreditarem que o Black Taj Mahal não passa de um mito, com ou sem a outra metade do Taj Mahal, esta continua a ser uma inegável loucura – daquelas com que se pintam as mais bonitas histórias de amor.

Shine on you crazy diamond: Elizabeth Taylor & Richard Burton

Se um diamante é o melhor amigo de uma rapariga, também é testamento de uma grande história de amor, pelo menos quando vem acompanhado de nuances como as da paixão entre Elizabeth Taylor e Richard Burton. O par conheceu-se no set de Cleopatra (1963): ela, a protagonista Cleópatra; ele, o seu par romântico, Marco António; os dois, um tórrido romance dentro e fora do ecrã. Na altura, Taylor era casada com o seu quarto marido, Eddie Fisher, e Burton estava no seu primeiro casamento, com a atriz Sybil Christopher. O affair tomou o mundo de assalto, tomou proporções de escândalo e foi inclusivamente condenado pelo Vaticano – o que não impediu Liz de se casar com Richard, a 15 de março de 1964, dias depois de conseguir o divórcio – dando início a uma história de amor turbulenta que começou e acabou mais vezes do que somos capazes de contar. Em 1974 o casal acabou por se separar mas, como num filme, voltou a subir ao altar apenas um ano depois. Só que a distância entre o amor e o ódio era demasiado curta, e Taylor e Burton acabaram por seguir caminhos diferentes em 1976, deixando para sempre uma união memorável (ela afirmou, até ao fim dos seus dias, que nunca deixou de o amar), pontuada por um emblemático diamante, que ficou conhecido como o Taylor-Burton Diamond: em 1969, Richard Burton ofereceu à atriz esta polida pedra preciosa de 69 quilates, avaliada em 1 milhão de dólares e lapidada pelo próprio Harry Winston. A relação pode não ter sido eterna, mas este símbolo marcou para sempre os registos de gestos apaixonados. Afinal, não são só os diamantes que são para sempre; as loucuras por amor também.

Stone Cold Crazy: Ana Ivanovna Romanova & Frederico Guilherme

É possível que Elsa, de Frozen, tenha sido inspirada nesta Ana da Rússia – só que não. Diz Jennifer Wright, no livro It ended badly: thirteen of the worst breakups in History, que esta Imperatriz da Rússia, conhecida pela sua crueldade e que governou entre 1730 e 1740, nunca recuperou da morte do marido Frederico Guilherme, pouco depois de terem celebrado o casamento. Ainda que tivesse amantes (entre eles, Ernst Johann von Biron, Duque da Curlândia), a autora sugere que Ana ressentia o facto de, entre outras coisas, nunca ter sido autorizada a voltar a casar, detestando o casamento e o amor em geral. Por isso, quando o Príncipe Mikhail, de uma das mais notáveis casas russas, casou com uma mulher católica italiana – desprezava católicos ainda mais que o casamento –, dizer que a imperatriz não gostou do enlace é eufemismo. Quando a mulher de Mikhail faleceu, pouco depois do matrimónio, o desgosto do Príncipe não foi o suficiente para apaziguar Romanova, que nomeou Mikhail bobo da Corte. A job description? Fingir que era uma galinha e pseudopôr ovos num ninho, na sala do trono, cada vez que Ana tinha uma visita. The end? Longe disso: quis fazer um exemplo dele e da sua associação com católicos. Por isso, em 1739, mandou construir um castelo de gelo com uma suíte nupcial totalmente feita no mesmo material. Porquê? Porque obrigou Mikhail a casar com uma das suas aias, Avdotya Ivanovna, que se diz seria “velha e feia” (para se perceber que esta união não era de todo uma compensação para o Príncipe), ambos vestidos como palhaços, e a passar depois a noite de núpcias no tal castelo de gelo. Nus. A vingança serve-se fria e, aparentemente, a insanidade também.

Os deuses devem estar loucos: Nero & Popeia

Quando o imperador romano inadvertidamente assassinou (historiadores modernos contestam, alegando que os contemporâneos de Nero podem ter exacerbado a situação por não serem fãs do governante) a sua segunda mulher, Popeia, num acesso de raiva – estavam a discutir porque Popeia, grávida do seu segundo filho, condenava o tempo que o marido passava nas corridas; o pontapé que o imperador lhe desferiu na barriga foi fatal –, a angústia foi tal que Nero embalsamou o corpo da imperatriz, e em vez de o cremar, colocou-o no Mausoléu de Augusto. Tomado pelo desgosto, diz-se ainda que assassinou o único filho de Popeia, os seus aliados mais próximos e conhecidos e ordenou a castração de um escravo chamado Esporo, que achava ter feições semelhantes às da sua falecida imperatriz, casando com ele de seguida. Outros tempos, diríamos. Tempos em que a insanidade era razoável…?

Like crazy: Sam Newhouse, Mitzi & Vogue

O que é que uma mulher quer? Entre outras coisas, ser ouvida. E o mínimo de atenção aos pormenores. Depois, a grandiosidade do gesto vai depender da disponibilidade (financeira) de quem o leva a cabo e isso será determinante para a entrada nesta lista, claro, não menosprezando todas as vezes que uma cara-metade depositou esforços para um presente que pode ter tanto de simples (sendo que a noção de simples pode variar de bolso para bolso) quanto de ponderado. Se não sabe o que isso é, é ficar a tenta às próximas linhas: quando Mitzi Newhouse se foi despedir do marido, Sam Newhouse, que saía para o trabalho naquele dia do seu aniversário, em 1959, Mitzi só lhe pediu uma coisa – “Buy me Vogue”. E ele fê-lo. Mas não a revista – a Condé Nast inteira, que na altura publicava não só aquele título, mas também a Glamour, a House & Garden e a Young Brides. Newhouse já era co-poprietário e fundador de uma editora, a Advance Publications, que estabeleceu, ao longo dos anos com os seus irmãos, como uma das maiores cadeias de jornais no país, adquirindo uma série de diários um pouco por todo o território, mas ambicionava a qualidade associada às revistas. A família Newhouse continua a liderar o grupo até aos dias de hoje, numa espécie de grandioso negócio de família. Como é o ditado, mesmo? Dá um peixe a um homem, e ele alimenta-se por um dia; ensina-o a pescar, e ele alimenta-se a vida toda? Newhouse fez o upgrade: compra uma revista à tua amada e ela alimenta a alma por um mês; compra-lhe a editora e ela fica como uma história insana de amor para a vida toda.

Crazy in Love: exemplos dos quais não reza a História, mas a Internet sim.

Não é só de reis e rainhas ou em território Hollywoodesco que se fazem grandes demonstrações de amor. Algumas ultrapassam os limites da sanidade no mundo dos comuns. Como por exemplo, o pedido de casamento do russo Alexey Bykov, em 2012, que fingiu a própria morte à frente da namorada. “Combinámos encontrar-nos num determinado sítio mas, quando cheguei lá, havia carros destruídos por todo o lado, ambulâncias, fumo, uma carnificina”, recorda Irina Kolokov, a namorada, ao Daily Mail. Bykov havia contratado um realizador, duplos, maquilhadores e até um argumentista para criar o aparato. “Depois, quando vi o Alexey coberto de sangue na estrada, um paramédico disse-me que ele estava morto e eu desfiz-me em lágrimas.” Foi aí que o protagonista ressuscitou e a pediu em casamento. “Queria que ela se apercebesse o quão vazia seria sua vida sem mim e como a vida não teria significado se eu não fizesse parte dela”, confessou o russo. E funcionou: ela disse que sim. Esperemos que por amor e não pelo trauma. E por falar em fingir mortes, esta chega do Brasil: quando Carlos Roberto de Jesus, expresidiário desempregado, foi contratado por Maria Nilza Simões, dona de casa, na vila de Pindobaçu, nos arredores de Salvador da Bahia, para assassinar a amante do seu marido traidor, o atirador jamais poderia prever vir a apaixonar-se pelo seu alvo. Em 2011, Carlos Roberto deveria assassinar, a 24 de junho, Erenildes Aguiar Araújo, aka “Lupita”, por cerca de €400, conta o The Guardian, mas apercebeu-se que Lupita era na verdade uma amiga deinfância e foi incapaz de prosseguir com o homicídio. Depois de lhe confessar tudo, fingiu a morte de Erenildes com uma imagem da mulher muito sangrenta – e apetitosa: usou dois frascos de ketchup como sangue falso. Funcionou (oi?!). Simões acreditou na foto ensaiada e pagou. Contudo, dias depois, quando estava a passear no mercado da zona, Maria Nilza viu o par apaixonado e denunciou o ex-presidiário à polícia por roubo. A investigação aprofundada revelou toda a história bizarra e os três acabaram por enfrentar acusações: Simões pela tentativa de homicídio contratado; o casal por extorsão. Um triângulo que cai menos no amoroso e mais no insano… e com alguma dose de estupidez. Mas das loucuras estúpidas consegue-se fazer a transição para as loucuras estupidamente românticas: há mais de meio século que Liu Guojiang decidiu exilar-se com a sua cara-metade, Xu Chaoqing, para uma caverna no meio do nenhures chinês, na encosta de uma montanha, no condado de Jangjin, a sul de Chongqing. O rapaz apaixonou-se por Xu dez anos mais velha, em junho de 1942, no dia em que Chaoqing se casava – tinha seis anos e acabara de perder um dente. Como a tradição chinesa diz que beijar uma noiva é a maneira de fazer com que os dentes voltem a nascer, Liu deu o beijo que marcaria o amor da sua vida para sempre. Catorze anos e quatro filhos (de Xu) depois, o rapaz cresceu e a mulher enviuvou. A aproximação entre os dois aconteceu, mas o amor não era bem visto pela comunidade local e Liu preferiu renegar aos privilégios da vida moderna – como canalização, eletricidade e acesso fácil a comida – em vez de ficar sem a mulher que amava. Parece apenas uma versão extrema de slow living, sem grande sacrifício? Desengane-se: para que Xu se pudesse movimentar pela montanha, Liu esculpiu à mão 6 mil degraus, com pouco mais que um cinzel e amor profundo. Foi um grupo de aventureiros que descobriu as escadas, e o casal, em 2001. Tiveram sete filhos e permaneceram juntos até ao fim. Em 2007, quando Liu faleceu nos braços da amada (tinha 72 anos), dizem que o amor por ela era tal que não se conseguia desprender a sua mão da de Xu, mesmo depois da morte. A viúva, diz-se, passou dias a repetir para si mesma “Prometeste que cuidarias sempre de mim, que ficarias comigo até ao dia da minha morte, mas foste antes de mim, como vou viver sem ti?”. Xu morreu em 2012, mas o governo local decidiu preservar as escadas e o local onde moravam como testemunho da sua história de amor. Para que possa(m) viver para sempre.

*Artigo originalmente publicado no The Madness Issue, da Vogue Portugal, de julho 2020.For the english version, click here.

Sara Andrade By Sara Andrade

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