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Conversámos com Cleo Wade sobre a urgência do amor

04 Mar 2019
By Irina Chitas

Quando os versos de Cleo Wade começaram a ser partilhados no Instagram, soubemos que havia muito mais carinho nas redes sociais. Agora que os poemas chegaram ao papel, falámos com quem os tira do coração.

Quando os versos de Cleo Wade começaram a ser partilhados no Instagram como pequenas oferendas de bondade, soubemos que havia muito mais carinho nas redes sociais do que a nossa mesquinhez nos levava a acreditar. Agora que os poemas chegaram ao papel e podemos tocar-lhes, falámos com quem os tira do coração. 

©D.R.

O que vai ler abaixo não discorre na estrutura habitual de uma entrevista. Nem na estrutura habitual de nada, na verdade. Mas receber as palavras de Cleo Wade também não se parece com qualquer outra coisa, não é comparável a outros textos, não é algo que possamos tratar de forma industrializada, qual linha de montagem na qual costumamos encaixar as frases, uma a seguir à outra, quase maquinalmente, quase desapegadamente. São ossos do ofício, desculpamo-nos envergonhados, mas não pudemos empilhar esses ossos hoje da maneira instintiva com que montamos o nosso esqueleto de texto habitual.

Por um único motivo: Cleo Wade fez sua missão pensar em nós com ternura, passar-nos a mão pela cabeça sem nunca nos ter conhecido, acalmar-nos por dentro sem sequer saber se merecemos. É de uma generosidade tão profunda que demos por nós a pensar qual seria a forma mais justa de passar a sua mensagem sem cair na frieza de um pró-forma e a única que encontrámos foi entrelaçar alguns versos que encontrará em O Que Diz o Coração – Sabedoria Poética para uma Vida (mais) Feliz com o que Wade nos contou em entrevista. Serve quase como um desenho dos pilares em que assenta a sua obra e a sua vida e a sua missão, que são muito da mesma coisa. É urgente lê-la. Porque é urgente amar mais um bocadinho.

É logo assim que começa. Se não ficarmos desarmados com a primeira página do tomo (editado em Portugal pela Nascente, em outubro de 2018), foi porque perdemos a noção algures no caminho. Talvez ela nos possa ajudar a encontrá-la. Quando abrimos o livro, Cleo abre-o connosco. Abre o seu livro, o do seu coração, e conta-nos que está cheio de costuras e de fita-cola, cheio de remendos das vezes que se partiu. Partiram-no os outros e partiu-o ela. “Sabe também isto, leitor: amo-te.” Caramba. O Que Diz o Coração é uma seleção de apontamentos que foi escrevendo no seu apartamento em Nova Iorque. Pequenos poemas, mantras, haikus ou como lhes queiram chamar, porque na verdade o que são é abraços e curas que foram colando aquele coração, que foram construídos na esperança de colar o do próximo.

O livro aparece-nos todo escrevinhado, sublinhado, rasurado. Há notas nas margens. Não por descuido ou acrescento, mas para que não o vejamos como um objeto pristino, limpo e imaculado. Já foi conspurcado pela alma de alguém, podemos também lá deixar a nossa quando o levamos no bolso ou debaixo do braço ou dentro da carteira com a marmita do almoço, porque O Que Diz o Coração não é um romance para ler de uma assentada, quase sem respirar. É, em vez disso, aquele amigo cujas mensagens lemos em momentos de aperto ou até só porque sim, porque estava sol ou estava a chover.

Se há coisa em comum na maior parte dos escritores é, infelizmente, o narcisismo. Muitos escrevem para si mesmos, mas Cleo parece escrever especificamente para mim, para nós. “É muito importante para mim que o que eu faço seja uma oferenda ao invés de uma transação”, diz-nos Cleo. “Cada palavra que está no meu livro ajudou, de uma forma ou de outra, ou a mim ou a um amigo a navegar pela vida. A intenção de escrever O Que Diz o Coração foi meramente partilhar isso. Acredito piamente que se algo te ajuda, tens o dever de criar o espaço para que possa ajudar também outra pessoa.”

Wade é uma sonhadora assumida e gosta disso, tem orgulho nisso, porque o melhor de tudo é mesmo “encontrar sonhadores para construir um mundo melhor contigo”. Esses sonhos são também a sua poesia, que na verdade é nossa, que na verdade só quer que gostemos muito mais de nós.

Mas para falar tão abertamente de amor-próprio, Cleo teve de apren- der a construir o seu. E isso nunca é um processo fácil, a não ser que nos chamemos Narciso – e se for esse o caso, precisamos deste livro mais do que nunca. “Nunca há um dia em que acordas e decides simplesmente amar-te”, explica. “É um processo. Cada um de nós tem uma relação consigo próprio que requer trabalho e bondade para que o amor prospere dentro de nós e à nossa volta. Quando estamos conscientes disso e fazemos uma escolha todos os dias de investir numa relação dedicada connosco, começamos a sentir os benefícios do amor-próprio.” E o que é que acontece quando gostamos mais de nós? Exato. Somos melhores para o outro.

“Acho que quanto mais te amares, mais energia tens para expressar esse amor ao mundo naturalmente. E uma das maiores formas de mostrar amor publicamente é lutarmos pelo que está certo e justo”, escreve-nos, quando lhe perguntamos se também é importante para si que quem a lê tome como sua a responsabilidade de tornar o mundo melhor. E esta coisa de tornar o mundo melhor não é um bicho de sete cabeças, não é virar a nossa vida de pernas para o ar e ir fazer voluntariado para outro continente – atenção, pode sê-lo, mas também pode ser tão próximo quanto, em alguns dias escrever, noutros “sorrir para o meu vizinho ou perguntar à pessoa ao meu lado no Metro como é que tem andado. Contribuir para o mundo pode ser o que quisermos que seja – é importante que nos lembremos disso”.

São coisas tão pequeninas que podem começar só por termos consciência da comunidade em que vivemos. Cleo é negra, cresceu nos Estados Unidos, e é claro que este contexto a influenciou. “As mulheres negras enfrentam muitas injustiças na América – quer seja justiça nos cuidados de saúde (as mulheres negras morrem no parto três vezes mais que as mulheres brancas) ou justiça económica (as mulheres brancas recebem 79 cêntimos por cada dólar de um homem branco, enquanto as mulheres negras apenas 62 cêntimos). Temos muito trabalho a fazer.”

Esse trabalho também está na sua escrita, até porque “quanto mais visibilidade o meu trabalho tem, mais responsabilidade eu tenho comigo e com a minha audiência de construir uma comunidade estimada. Todos merecemos viver num mundo em que cada um de nós é igual, livre e respeitado”. Neste momento, Cleo tem 468 mil seguidores na sua página de Instagram, por isso podemos dizer que a responsabilidade não é pouca. Mas o amor também não.

Redes sociais. O lugar onde está o mundo inteiro. Aquela terra de todos e de ninguém que costumamos associar a cenários apocalípticos e destrutores de toda a Humanidade. Ou não? “Costumo dizer que as redes sociais são como um martelo”, explica Wade. “Pode ser usado como ferramenta ou como arma. Podes partir todas as janelas com ele, ou ele pode ajudar-te a construir a tua casa. Quando abordamos as redes sociais com um objetivo saudável para como queremos usá-las, ou permitimos que nos apoiem, penso que podem ser um lugar maravilhoso. Se não tivermos uma intenção definida na forma como permitimos que surjam na nossa vida, acho que se podem tornar muito tóxicas.”

Às vezes falamos do mal que as redes sociais nos fazem e parece que perdemos a noção que está tudo nas nossas mãos. Podemos ser bons no Instagram, podemos apoiar outros no Twitter, podemos não ofender ninguém no Facebook, por muito difícil que isso pareça ser. “Quer o meu trabalho seja online ou num livro ou numa parede nas ruas, a intenção é sempre a mesma: deixar que as pessoas saibam que não estão sozinhas e que são amadas exatamente como são.” Se calhar é por isto que Cleo Wade é apelidada “Oprah dos millennials”, embora tente não pensar demasiado nessa coroa gigantesca.

“É uma honra poder alguma vez ser mencionada na mesma frase que a Oprah. Dito isso, tento não me focar em títulos ou louvores. Há uma frase no livro que diz: ‘Se dás a algo o poder de te fazer sentir que estás no topo do mundo, dás-lhe o mesmo poder de te fazer sentir que tens o peso do mundo sobre os ombros.’ Sou muito grata a toda a gente que elogia o que faço, mas, mais do que tudo, isso dá-me combustível para baixar a cabeça e trabalhar.”

E trabalha, trabalha, trabalha. Com ternura, sim, mas com coragem também. “Eu tenho medo sempre que carrego em ‘publicar’ ou falo num palco. O meu trabalho é tão completamente quem eu sou, nunca é fácil expores-te assim. Mas eu sei, pela minha experiência, que ver alguém ser vulnerável nos faz sentir mais empoderados para expressar as nossas próprias vulnerabilidades, e isso é mais importante para mim que o meu medo.” É muito difícil falar com Cleo sem querermos ser melhores.

“Estatisticamente, as pessoas sentem-se mais sozinhas do que nunca. Uma coisa que nunca consegui compreender é como é que nós, enquanto pessoas, decidimos que alguns merecem o melhor de nós e outros não. Quando escrevo, faço-o de um lugar que pergunta: Como é que seria se eu tratasse todas as pessoas que encontro como trato o meu melhor amigo? Como é que me sentiria se tratasse o meu leitor como o meu melhor amigo? O que é que lhes diria nos seus melhores momentos, ou nos piores?”

E nós? Sabemos a história do nosso vizinho do lado? Sabemos se precisa de alguma coisa? De açúcar ou de um abraço? Andamos tão metidos dentro de nós próprios que nos esquecemos de ser presentes – e ser presente, estar presente (não admira que, em inglês, “ser” e “estar” sejam exatamente o mesmo verbo) é a única coisa que nos pedem que façamos.

“O meu irmão diz sempre: ‘Quando estou focado no passado, sinto-me muito de- primido. Quando estou focado no futuro, sinto-me muito ansioso. É só quando estou focado no momento presente que não sinto nada a não ser gratidão à minha volta.’ Sinto mesmo que quando estamos presentes temos mais acesso à gratidão, o que para mim é a chave para a vida mais feliz possível.”

O Que Diz o Coração - Sabedoria Poética para uma Vida (mais) Feliz, de Cleo Wade, editora Nascente, na Bertrand.

 Artigo originalmente publicado na edição de fevereiro 2019 da Vogue Portugal.

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