Inspiring Women  

Anja Rubik escreve, na primeira pessoa, sobre a crise na Polónia

27 Nov 2020
By Anja Rubik

A supermodelo e estrela recorrente nas capa da Vogue em todo mundo, partilha uma poderosa carta sobre a realidade em torno do direito ao aborto no seu país de origem e a sua esperança num futuro inclusivo para a comunidade LGBTQIA+.

A supermodelo e estrela recorrente nas capa da Vogue em todo mundo, partilha uma poderosa carta sobre a realidade em torno do direito ao aborto no seu país de origem e a sua esperança num futuro inclusivo para a comunidade LGBTQIA+.

Courtesy of Anja Rubik
Courtesy of Anja Rubik

Em 2020, a nossa Polónia é um país dividido e, como polaca que sou, tenho sérios medos. A igreja e o estado fundiram-se, gerando conflito e contradição. O direito de escolha da mulher está sob fogo, a comunidade LGBTQIA+ é tratada como cidadãos de segunda e a educação sexual está a ser eliminada. 

A Polónia tem a legislação de aborto mais rígida da União Europeia. O aborto é ilegal, com três exceções [em casos de violação, incesto ou nos casos em que haja uma ameaça à vida da mãe], e essas exceções estão a ser lentamente apagadas. Isso vai afetar não apenas as nossas mulheres, como toda a nossa comunidade. A 22 de outubro, o Tribunal Constitucional proibiu o aborto em caso de comprometimento fetal grave e irreversível. Basicamente, isto significa que o estado vai obrigar as mulheres a levar a gravidez até ao fim e dar à luz filhos com deformidades graves que podem morrer com muita dor, poucos minutos depois. O estado está a começar a interferir nas nossas decisões mais pessoais, que afetam a nossa vida, o nosso destino, a nossa saúde e a nossa segurança. 

O direito de escolha da mulher é o teste decisivo para uma sociedade saudável e progressiva. Este momento afetará a comunidade polaca nas próximas décadas. As nossas mulheres - as nossas mães, as nossas esposas e filhas do futuro - estão a contar connosco para as colocarmos em primeiro lugar. 

A comunidade LGBTQIA+ na Polónia vive com medo. Somos uma soma de partes e permitir que uma fação seja marginalizada ou discriminada é repugnante e covarde. Muito desse comportamento é baseado no medo e é ignorante. Uma igreja polaca que escolhe o seu dogma para manipular um resultado é uma contradição direta da forma como o Papa Francisco está a liderar a fé católica em 2020 e além. Para aqueles que têm fobia LGBTQIA+, peço que enfrentem os vossos medos e sejam pessoas melhores. A Polónia é melhor do que isso. Nós somos melhores que isso. 

Comecei uma fundação de educação sexual na Polónia em 2017 [chamada SexedPL]. Não foi tanto um projeto de paixão, mas uma solução prática. Por milhares de anos, o sexo fez parte das nossas vidas, como a álgebra e da física. Estamos aqui, cada um de nós, a nível celular, por causa do sexo. Como é possível imaginar uma comunidade saudável onde não ensinamos os nossos filhos sobre os seus corpos, os seus limites pessoais, consentimento e sexo seguro? O sexo é inerentemente pessoal, vem como profundas inseguranças e perigos, e simplesmente ignorá-lo ou rejeitá-lo é irresponsável e um retrocesso para a Polónia. Em 2020, o governo polaco está a fazer o possível para censurar e, finalmente, proibir a educação sexual. Os adultos de amanhã enfrentam um futuro isolado e incerto, sem o melhor atendimento comunitário e educação estruturada. O ataque do nosso governo à educação sexual é um ataque aos nossos filhos. 

"Só seremos livres quando todos formos iguais."

Há momentos e dias em que me sinto desanimada e apavorada. Deixem-me ser clara: sinto que não sou mais importante do que qualquer outro cidadão polaco. A minha família e comunidade estão repletas de ansiedade e incerteza. Vejo os protestos nas ruas, provocados pela decisão do aborto, com uma mistura de orgulho e terror enquanto me pergunto como é que a nossa Polónia se tornou neste lugar. Depois de tudo o que enfrentámos nos últimos 100 anos - a adversidade, os heróis, as lições aprendidas - encontramo-nos aqui. Tento ser positiva e fazer tudo o que está ao meu alcance para apoiar homens e mulheres que se revoltam contra a opressão e lutam pela nossa liberdade e pelo reconhecimento dos direitos humanos. Durante os momentos difíceis, partilho telefonemas e conversas com os meus amigos e restauro a minha confiança de que podemos mudar alguma coisa sendo corajosos e a falando abertamente. 

Aprendemos muitas cosias durante a nossa vida, mas um aspeto fundamental que nos sustenta é que “a nossa Polónia” tem capacidade de prosperar e se adaptar durante as crises. Existe bondade em cada um de nós. Precisamos de permanecer calmos, ouvir, focar e nunca prejudicar a nossa própria integridade. Só seremos livres quando todos formos iguais.

Anja Rubik By Anja Rubik

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