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Será possível assegurar que a roupa fabricada em algodão vem de produção ética?

10 Nov 2020
By Mathilde Misciagna

In a nutshell: é mais difícil do que parece.

In a nutshell: é mais difícil do que parece.

Mulher camponesa numa plantação de algodão no Mali, circa 1950. © Michel HUET/Gamma-Rapho via Getty Images
Mulher camponesa numa plantação de algodão no Mali, circa 1950. © Michel HUET/Gamma-Rapho via Getty Images

As cadeias de fornecimento na indústria global de vestuário e têxteis são longas, complexas, fragmentadas, em constante evolução e notoriamente densas. Isto é um problema porque cadeias de fornecimento muito densas e fragmentadas abrem caminho à exploração do trabalhador e a condições de trabalho inseguras, ao mesmo tempo que mantêm escondido quem tem a responsabilidade e poder para as corrigir.

Ao longo dos últimos sete anos, mas particularmente nos últimos três, muitas foram as grandes empresas que, pressionadas pelo hashtag #WhoMadeMyClothes, divulgaram publicamente as fábricas a partir das quais sai o seu produto final. No entanto, há uma falta de transparência notável para lá dessa primeira camada de manufatura – onde milhões de pessoas trabalham para produzir e processar a matéria-prima que depois se transforma em fibra e tecido que usamos – nomeadamente o algodão.

O mundo está sedento por algodão. Tanto o capitalismo ocidental como o comunismo de leste têm o mesmo objetivo: seduzir mão de obra o mais barata possível a uma colheita intensiva.

Hoje a atenção do mundo volta-se para Xinjiang, uma província ocidental da China. Ali, as empresas transportam a minoria étnica muçulmana Uighurs num autocarro até aos campos de colheita sob o pretexto de criar um sentido de união e nacionalidade. Muitos são separados das suas famílias, incluindo os próprios filhos. Há testemunhos de celas sobrepopuladas, assédio sexual rotineiro, violação, esterilização forçada e tortura. Várias investigações reportam a obrigatoriedade que os trabalhadores têm de viver no local debaixo de uma supervisão total e impedidos de voltar a casa.

ⓒ Istock images
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Organizações de direitos humanos estimam que um em cada cinco trabalhadores na província de Xinjiang é vítima de trabalho forçado e praticamente toda a indústria da Moda é cúmplice, do fast fashion ao setor do luxo, ignorando o problema e continuando a abastecer-se na região. Para além disto, é importante notar que o algodão produzido nesta região da China é amplamente usado noutros países produtores como o Camboja, Vietname e Bangladesh. A capacidade de identificar a origem do algodão e traçar a sua jornada pela cadeia de fornecimento continua a ser um grande desafio. Mas é um desafio possível, mediante a vontade real das marcas em investir tempo e recursos, entenda-se.

"Sem transparência não é possível ver nem proteger as pessoas mais vulneráveis."

Estes agricultores produziram cerca de 26 milhões de toneladas de algodão entre 2019 e 2020, cujo valor estima-se em 41 mil milhões de dólares, segundo a International Cotton Advisory Committee. É o produto que não se pode comer mais amplamente cultivado. O Department of Labour norte-americano lista 17 países que ainda usam trabalho infantil nas suas indústrias do algodão. Dos dez maiores produtores de algodão do mundo só os Estados Unidos da América, o México e a Austrália estão fora da lista. Pobreza rural, escolas inadequadas e poucas alternativas são motivos suficientes para os pais pensarem que as crianças, mão de obra ainda mais barata e precisa devido às mãos pequenas, têm melhor futuro a trabalhar as plantações. Sem transparência não é possível ver nem proteger as pessoas mais vulneráveis.

Várias das certificações de algodão orgânico e sustentável líderes de mercado exigem vários graus de rastreamento desde o campo ao produto final, incluindo a marca de algodão Fair Trade, o Global Organic Textile Standard (GOTS), Textile Exchange's Content Claim Standard (CCS), entre outros. Num mundo híper conectado e em constante evolução, a transparência é o novo poder.

Mapear a rede de fornecedores de uma marca é o primeiro passo, mas crucialmente, essas informações devem ser partilhadas publicamente para que a marca colha os potenciais benefícios que a transparência permite e para que um conjunto mais amplo de partes interessadas faça uso dos dados para melhorar a responsabilidade em toda a cadeia de valor.

Mathilde Misciagna By Mathilde Misciagna

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