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Ainda faz sentido ser uma girl boss?

20 Jul 2021
By Mariana Silva

O termo, que inicialmente representava uma via aspiracional na cultura empresarial feminina, tem agora uma conotação negativa perante os millenials.

O termo, que inicialmente representava uma via aspiracional na cultura empresarial feminina, tem agora uma conotação negativa perante os millenials. 

A resposta resumida? Depende. Quando, em 2014, Sophia Amoruso popularizou o termo ao lançar a sua autobiografia intitulada #GirlBoss, esta expressão representava o poder no feminino. “Uma mulher capaz e confiante, que persegue as suas próprias ambições em vez de trabalhar para outros”, como descreve o Free Dictionary. Hoje, a história não é bem assim. Passaram sete anos desde a disseminação do conceito e muito já aconteceu com a fundadora da Nasty Gal que fez com que o movimento girl boss entrasse numa trajetória de rumo inesperado.

O percurso de Amoruso enquanto empreendedora começou em 2006, com o lançamento de uma marca de Moda vintage de nome Nasty Gal. Aos poucos, o que antes era uma pequena loja no Ebay foi evoluindo para se tornar num negócio multimilionário que, embora com um modelo marcadamente diferente, ainda hoje se encontra no ativo. Sophia Amoruso, todavia, afastou-se da agora marca de fast fashion em 2015. Por um lado, o sucesso que #GirlBoss havia adquirido no ano anterior permitiu a comercialização do movimento e a criação de uma nova empresa sob a alçada da empreendedora. O livro havia apenas sido o primeiro passo. Seguiram-se websites, podcasts, plataformas de diversos géneros e, inclusive, uma série - lançada pela Netflix, em 2017 - tudo em redor da comunidade aspiracional de girl bosses que estava a ser criada. Por outro lado, é impossível dissociar esta saída da empresa de Moda das polémicas pelas quais Amoruso estava a ser acusada. Se na sua comunidade empresarial feminina era celebrada a capacidade de subir até ao topo da escada empresarial sem olhar a meios nem custos, também o mesmo se refletia na posição da fundadora na sua própria empresa. Como reportado pelo Business of Fashion em 2016, foram vários os funcionários da Nasty Gal que descreveram um ambiente de trabalho tóxico, resultando em processos judiciais que não revelaram um fim favorável para a empresa.

Vários anos e uma crise pandémica depois, foi através do Instagram que Sophia Amoruso anunciou, em 2020, a sua saída da empresa de media Girlboss. Mais uma vez, não houve uma explicação concreta em torno desta retirada, a não ser as consequências económicas que advieram da pandemia. Mas já outros fatores falavam mais alto - em 2020, o termo popularizado pela sua autobiografia já não remetia para a comunidade aspiracional de empoderamento feminino que inicialmente havia sido criada. A par com a carreira de Amoruso, o termo girl boss tinha-se lentamente deteriorado.

 

Sendo assim, o que significa ser girl boss atualmente? Recorremos ao Urban Dictionary para procurar a sua definição e este foi o resultado: “fazer algo ou alguém parecer um ídolo ou inspiração feminista em favor do lucro, independentemente dos múltiplos defeitos dessa pessoa.” Muito se evoluiu desde a “mulher capaz e confiante” definida no início deste texto. A verdade é que, com o passar do tempo, seja devido ao caminho de Sophia Amoruso ou à hustle culture que nasceu associada à expressão, a utilização do termo girl boss em certos contextos tornou-se mais prejudicial do que benéfica para o género feminino. Exemplo disso foi o cartaz da empresa de SEO PeoplePerHour que, em 2019, foi retirado pela autoridade reguladora de publicidade britânica. As acusações centravam-se na frase utilizada pela empresa: “You do the girl boss thing. We’ll do the SEO thing.” Nas palavras da Advertising Standards Authority, “usar o termo girl boss, em vez de apenas boss (em português, chefe), implica que o género da pessoa seja relevante para o seu desempenho no papel de gestão.” Ainda, “o uso da palavra girl (em português, rapariga) para se referir a uma mulher adulta reforça a impressão de que um chefe de género feminino seria uma novidade, e que levaria o seu papel menos a sério do que um homem na mesma posição.” 

A infantilização das mulheres em posições de liderança é precisamente um dos motivos pelos quais o termo girl boss perdeu a sua força. Em primeiro lugar, a opção pelo uso da palavra girl (rapariga), em vez de woman (mulher), é por muitos ainda questionada. Mas, acima de tudo, é a existência dessa definição de género que hoje se revela desnecessária. Como foi comprovado pela publicidade da PeoplePerHour, em vez de minimizar os estereótipos em torno da diferenciação por género, girl boss, enquanto expressão, acaba por acentuá-los. Todavia, a conotação negativa associada ao termo vai para além da infantilização. A nova geração de millenials utiliza o verbo girl boss juntamente com termos de género pejorativos como gaslight ou gatekeep, aproximando-o assim da definição deixada pelo Urban Dictionary. 

Independentemente da extensão negativa que lhe é atribuída, a expressão originalmente cunhada por Sophia Amoruso em 2014 já não tem hoje a mesma definição que revelava há sete anos. Tendo sido em tempos aspiracional, nem todas as gerações atuais convergem relativamente ao impacto positivo deste termo, nomeadamente na cultura empresarial. Todavia, se há algo que o tempo de Amoruso e o tempo atual não deixam de ter em comum são as discrepâncias que o masculino e o feminino ainda veem representadas nos quadros corporativos. O movimento girl boss pode ter perdido o sentido, mas a luta pela igualdade mantém-se.

Mariana Silva By Mariana Silva

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