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A little party never hurt nobody

30 Nov 2018
By Ana Murcho

Não queremos aniquilar a sua rentrée, mas depois de ler este texto vai pensar duas ou três vezes antes de usar o hashtag #melhorfestadesempre.

Não queremos aniquilar a sua rentrée, mas depois de ler este texto vai pensar duas ou três vezes antes de usar o hashtag #melhorfestadesempre.

"Dearly beloved, we have gathered here today/ To get through this thing called life.” Assim cantava Prince em Let’s Go Crazy, no início dos saudosos anos 80, essa década de excesso e delírio, quando a loucura e a extravagância eram celebradas em febres de sexta e sábado à noite, sob bolas de espelhos e melodias disco dance. Por essa altura, o mundo ainda ressacava do hedonismo praticado no Studio 54, que só fecharia portas em 1986, e das festas que transformou em verdadeiros mitos urbanos – como o 30º aniversário de Bianca Jagger, em 1977, organizado pelo designer norte-americano Halston. Entre os momentos da noite está o captado pelo fotógrafo Rose Hartman, que apanhou a ex-modelo, à época casada com o cantor Mick Jagger, em cima de um cavalo branco. A euforia transformou esse instante numa das mais famosas conversas de café do mundo ocidental (mesmo, ou principalmente, para quem nunca entrou no Studio 54) “Lembras-te daquela vez que a Bianca Jagger chegou ao Studio 54 montada num cavalo branco?”, até que em 2015 a ativista social decidiu escrever ao editor do jornal Financial Times e pôr tudo em pratos limpos: “Eu e o Mick Jagger entrámos juntos no Studio 54”, explicou. E fez questão de acrescentar: “Uma coisa é, no calor do momento, numa discoteca, pormo-nos em cima de um cavalo, outra bem diferente é montá-lo.” Mesmo desfeito o engano, as noites da extinta discoteca continuam a encher de magia o imaginário de todos nós. Porque era ali, naquele antigo teatro, que parecia possível desafiar a eternidade. Era ali que íamos, de facto, viver para sempre. Mas a história mostra-nos que além dos “eventos” do clube de Steve Rubell e Ian Schrager, há uma série de festas absurdas, completamente incríveis, que desafiam a nossa imaginação. Prepare-se. A viagem começa no século XIX. E não, isto não é um sonho.

Dinheiro, inveja, poder. Perante um cenário de stress social, eis como os nossos antepassados se superavam: dando uma festa para acabar com todas as festas. Na primavera de 1883, quando estava a ver mais-que-negra a sua entrada na elite nova-iorquina, foi precisamente o que Alva Vanderbilt fez. Constantemente ignorada por Caroline Astor, a queen bee da altura, resolveu forçar a caída do trono oferecendo um baile de máscaras para 1.200 pessoas na sua casa-palácio da Quinta Avenida – “esquecendo-se” de incluir Carrie Astor na lista de convidados. Foi assim que a mamã Astor se viu forçada a fazer uma chamada de cortesia a Alva, que acusava de ser uma simples nouveau riche. O plano, já se vê, resultou. O álbum de fotografias do Vanderbilt Ball, que pode ser visto no Museum of the City of New York, chega a ser obsceno de tão inesperado. Nele pode ver-se uma senhora com um gato empalhado na cabeça e com a cauda bordada na saia, outra com um vestido em cetim vermelho “enfeitado com a franja do demónio, ornamentado com cabeças e chifres de pequenos demónios” (assim relatava o New York Times), e até a própria Alva, de princesa renascentista veneziana (pombas brancas incluídas). Mas vamos perder algum tempo com o vestido de Alice Vanderbilt, cuja máscara, Electric Light, entra diretamente para o top cinco das mais incríveis de sempre, principalmente porque estamos a falar de 1883: feito de cetim branco e enfeitado com diamantes, o vestido trazia uma bateria escondida para que Alice pudesse iluminar-se como uma lâmpada. À época, a eletricidade estava na moda – algumas ruas começavam a ser iluminadas com luz elétrica e a estação geradora de Thomas Edison na Pearl Street tinha sido inaugurada no ano anterior. Ou seja, metade da América (do mundo?) ainda vivia à luz das velas, mas esta multimilionária inventou uma fatiota que lhe permitia brilhar enquanto dançava num acontecimento social que, se tivesse acontecido no século XXI, teria custado qualquer coisa como cinco milhões de euros. Dos quais um milhão só em champanhe.

Dinheiro, inveja, poder. Perante um cenário de stress social, eis como os nossos antepassados se superavam: dando uma festa para acabar com todas as festas.

 

Carlos de Beistegui era excêntrico, riquíssimo, apaixonado por arte e, acima de tudo, um bon vivant. Vivia pelo prazer das coisas belas, e foi isso que o fez comprar, em 1948, o Palazzo Labia, um imponente palácio barroco em Veneza. Foi aí que, três anos depois, organizou o Le Bal Oriental, a primeira grande festa do pós-guerra. Orson Welles, Gene Tierney, os duques de Windsor, e as famosas irmãs Mitford estiveram entre os mais de mil convidados – que chegaram de gôndola e provocaram o caos nos canais, tal era a multidão que se amontoou para ver as estrelas. Diz-se que a carreira de Pierre Cardin disparou depois de criar 30 máscaras para o evento. Nina Ricci, por seu turno, terá feito 10. Outros artistas levaram o dress code a outros níveis: o fato de Salvador Dalí foi desenhado por Christian Dior, e vice-versa. Fast forward para novembro de 1966, e chegamos à Nova Iorque do café society e das ladies who lunch. Foi aqui que se realizou o Black And White Ball, oficialmente uma festa em honra de Katharine Graham, editora do jornal Washington Post, oficiosamente a desculpa perfeita encontrada por Truman Capote para se vingar dos inimigos e subir (mais) uns degraus na hierarquia social. A lista de convidados que o autor de A Sangue Frio editou de forma semi-cruel juntou 540 membros da elite mundial no salão de baile do Plaza Hotel – entre eles nomes consagrados do cinema como Frank Sinatra, Lauren Bacall, Henry Fonda, e socialites como Gloria Vanderbilt e Lee Radziwill. A opulência dessa noite, em que todos, sem exceção, seguiram o código de vestuário (preto ou branco, máscara, as senhoras deveriam trazer um leque), reflete-se na frase que Andy Warhol, à época um dos mais famosos artistas do planeta, terá dito ao seu acompanhante: “We’re the only nobodies here.”\

Apesar de serem uma forma tradicional de celebração desde o século XIV e durante toda a época do Renascimento, os bailes de máscaras (que durante muito tempo eram associados ao Carnaval) só chegaram à Europa no século XVII. Acredita-se que foi John James Heidegger, um conde suíço que chegou a Itália em 1708, que introduziu a alta-sociedade inglesa aos masquerade balls iguais aos de Veneza. De certa forma, foi ele o culpado por, dois séculos e meio depois, Marie-Hélène de Rothschild se ter transformado numa organizadora compulsiva de festas com tendência apocalíptica. Como não dispomos dos fundos ilimitados de mademoiselle, lembramos apenas duas: o Proust Ball, em honra do centésimo aniversário de Marcel Proust, em 1971, e o Surrealist Ball, um ano depois. No primeiro caso, estamos perante um dos maiores triunfos de Marie-Hélène. Cerca de 350 convidados assistiram a um jantar na sua casa nos arredores de paris, o Château de Ferrières, tendo mais 350 chegado para uma segunda, e mais tardia, refeição. Entre os participantes estiveram Elizabeth Taylor e o marido, Richard Burton, ou a princesa Grace do Mónaco. O fotógrafo Cecil Beaton, também ele uma celebridade, foi o responsável por imortalizar a noite. A atriz Marisa Berenson relembrou, anos mais tarde, a festa: “Assim que chegávamos a Ferrières era como voltar atrás no tempo, mas de uma forma mais luxuosa e com um gosto altamente refinado… As mulheres usavam vestidos, corpetes, tiaras, muitas joias. Foi verdadeiramente a era de Proust.” Quanto ao Surrealist Ball… Bom, dificilmente se conseguirá superar semelhante orgia visual. A lista de convidados foi mais restrita (apenas 150 pessoas, entre elas Audrey Hepburn, que usou uma gaiola de vime by Magritte na cabeça e Salvador Dalí, ele próprio um habitué no circuito festivo, tal como os seus jantares rocambolescos), as surpresas começaram na forma como foram emitidos os convites (escritos de trás para a frente, teriam de ser lidos em frente a um espelho) e só terminaram na sobremesa – uma mulher nua feita de açúcar, em tamanho real, deitada numa cama de rosas. Marie-Hélène, o suprassumo da elegância num vestido branco, tinha uma máscara de cervo caído adornada com lágrimas feitas de diamantes. O Château de Ferrières, esse, estava iluminado por intensas luzes cor de laranja, como se estivesse em chamas.

Esta não é uma lista exaustiva. Haverá provavelmente centenas de festas desconhecidas do grande público tão ou mais decadentes e fascinantes. Mas tem a sua graça lembrarmo-nos que em junho de 1911, num mundo não virtual, o designer Paul Poiret abriu o seu ateliê para a Festa das Mil e Duas Noites, onde muitos convidados ficaram à porta por não estarem de acordo com o dress code (Oriental). Os que aceitaram mudar para as harem pants desenhadas pelo próprio anfitrião, que saudava os hóspedes a partir de um trono dourado, não se arrependeram. Terá sido esta magia que Kris Jenner quis imitar em 2015, ao celebrar o seu 60.º aniversário com uma festa ao melhor estilo anos 20. Mas então a Vogue Paris já tinha celebrado os seus 90 anos no Hôtel Pozzo Di Borgo, em 2010, com um Bal Masqué ao melhor estilo Eyes Wide Shut que, diz quem assistiu, foi o evento da década – na impossibilidade de voltar atrás no tempo, vale a pena googlar os vestidos/máscaras de Anna Dello Russo, Carine Roitfeld, Diane Von Furstenberg, Abbey Lee Kershaw, Tyra Banks… E por essa altura Valentino já tinha aberto as portas do Château de Wideville, antiga residência de uma das amantes de Louis XIV e um dos locais mais instagramáveis de França. Foi aqui que, em 2011, ofereceu o White Fairy Tale Love Ball, um baile de caridade em prol da organização Naked Heart Foundation, criada pela supermodelo russa Natalia Vodianova. Por essa altura a Vogue Brasil também já celebrava anualmente o Baile da Vogue, a festa de Carnaval mais concorrida e glamorosa do país. E o Lux Frágil já nos tinha habituado que há noites que nunca acabam. Nenhum dinheiro do mundo (nem o de Kris Jenner) pode comprar o refinamento e a graciosidade de um lugar virado para o rio Tejo.

“A história conta-se com festas épicas em que o dress code impunha guarda-roupa à filme de Fellini ou Almodóvar. E de um primeiro plano megalómano de fechar todos os armazéns contíguos e criar um túnel com ligação ao clube de Santa Apolónia. Estávamos em 2006 e havia sete portas de entrada. A cada uma, correspondia um nível. Nesse ano, terão sido distribuídos 15 mil convites e a cidade parou. De Paulo Portas a Lili Caneças, Joana Vasconcelos, Rui Reininho, Jorge Palma ou Camané, não houve quem resistisse. As bebidas saíam a um ritmo estonteante. As casas de banho não tinham sexo (oh, se tinham). E quantos rostos se escondiam debaixo das máscaras?” O blogue Mesa de Mistura escrevia assim em outubro de 2013, a propósito do oitavo aniversário do Lux Frágil – aquele que sempre pensámos, de nós para nós, como o melhor, o mais bonito, o fatal. E que agora, em vésperas de completar duas décadas, a História reconhece como eterno. Numa noite imensa que começou com um convite (DVD) com imagens dos filmes de Fellini e Almodóvar que serviam de inspiração, houve quem jurasse a pés juntos que estava numa festa que ia durar para sempre. Não se enganou.

*Artigo publicado originalmente na Vogue Portugal de outubro 2018.

Ana Murcho By Ana Murcho

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