Num género geralmente percebido como hediondo e repulsivo por natureza, observamos 15 pérolas cinematográficas que provam que existe beleza autêntica na escuridão da malvadez.
Num género geralmente percebido como hediondo e repulsivo por natureza, observamos 15 pérolas cinematográficas que provam que existe beleza autêntica na escuridão da malvadez.
Suspiria, 1977 © Getty Images
Suspiria, 1977 © Getty Images
Talvez mais do que qualquer outro género, o Cinema de Terror conta com a componente visual – normalmente constituída pelo design de produção, fotografia, iluminação e maquilhagem – para dar luz ao temor e ao desconhecido que nos desassossega na sala escura. Exteriorizando a mensagem narrativa e os demónios dos personagens, o Terror vem desde sempre experimentando diversas manifestações estéticas do medo, e a sua influência no meio tem uma expressão geral e não apenas localizada desde o início da história do Cinema.
Hoje, honramos a estética deslumbrante do género maldito, ou os filmes onde o encanto visual é tão desconcertante como as mais hediondas depravações.
DON'T LOOK NOW, 1973
O thriller dramático com traços aterrorizadores de Nicolas Roeg pode não ser o título mais celebrado ou reconhecido desta lista (ainda que injustamente), mas é, sem dúvida, um dos mais transcendentes. Don't Look Now, (ou Aquele Inverno em Veneza, em Português) acompanha a história trágica de um casal que tenta lidar com a morte da filha e tempera o enredo com uma montagem não-linear e uma iluminação natural que torna uma das cidades mais românticas do mundo num verdadeiro labirinto negro que reflete o luto dos protagonistas. O uso do vermelho não é particularmente inovador em Terror, mas Roeg eleva a significância da cor para outro nível, usando-a para evocar medos primários que são, ao mesmo tempo, esteticamente atraentes, mas emocionalmente perturbadores. Belo, misterioso e desviante, é recorrentemente destacado como um dos melhores filmes britânicos da história, e nós não ousamos discordar.
HALLOWEEN, 1978
Como outros clássicos slasher da sua era – Massacre no Texas (1974) ou Sexta-Feira 13 (1980) – Halloween tornou-se o molde ao qual incontáveis incursões no género de terror aspiram até à contemporaneidade. O que poderá ter esquecido nos meandros do lamacento pântano de adaptações, sequelas e reboots é que o clássico de John Carpenter é inteiramente incomparável na sua estética vanguardista - com uma paleta de cores que se estende desde os amarelos torrados e laranjas diurnos aos azuis místicos para os ambientes noturnos - e habilmente construído para tornar o seu próprio minimalismo uma arma poderosa. Vejamos, por exemplo, uma das cenas de abertura mais assustadoras da história do Cinema, onde a tecnologia recente do Steadicam permitiu um plano sequência de quatro minutos acompanhando forçosamente e sem cortes o jovem Michael Meyers na sua primeira morte arrepiante e que nos deixou na beira da cadeira. Aterrador.
O GABINETE DO DR. CALIGARI, 1920
Como uma magnificente representação do Expressionismo alemão na sua manifestação mais pura, O Gabinete do Dr. Caligari é a obra-de-arte bizarra que não podia faltar nesta lista. Com estruturas torcidas, paisagens sombrias e proporções irregulares, funciona como uma afiada alegoria para o autoritarismo da Alemanha na Primeira Guerra. Numa Era em que o Cinema era ainda tão jovem que o conceito de que nem tudo tinha de fazer sentido era completamente revolucionário, o filme de Robert Wiene relembra as pinturas surrealistas de Dali ou Miró, onde a linha entre o real, o sonhado e o percecionado se esborrata à frente dos nossos olhos. Um século depois, O Gabinete do Dr. Caligari é o sonho macabro manifestado numa das obras-capitais da história do Cinema.
DEIXA-ME ENTRAR, 2008
2008 foi um ano confuso para o mito do vampiro. Por um lado, surge a desacreditação e vergonha alheia da tez cintilante de Twilight, por outro, a sincrónica salvação sueca com o metódico e sublime Deixa-Me Entrar. Com um storytelling miminalista e eficiente, a pérola moderna de Tomas Alfredson destaca-se por um design meticuloso e simétrico que gera um sentimento de falsa segurança invariavelmente destruída quando a harmonia é violentamente interrompida, e uma utilização improvável da iluminação, onde os cenários geralmente brilhantes servem o propósito de gerar temor onde menos se espera, sem espaço para os protagonistas para se esconderem – uma masterclass de sofisticação e contenção.
Under The Skin, 2013
À prova das mais verbosas articulações críticas, o cubo de rubik cinematográfico de Jonathan Glazer foi, entre láureos de reverência e tomates podres atirados à queima-roupa, um dos filmes mais divisivos de 2013. Contudo, e se a natureza esquiva, alienígena e quase impenetrável lhe dificulta o alcance a um público mais generalizado, Under The Skin não deixa de ser estética e literalmente de outro mundo. Onde as obras de câmaras ocultas parecem desleixadas e amadoras, o thriller de ficção científica de Glazer eleva-se pelo equipamento técnico que o próprio desenvolveu para recolher o seu material clandestinamente. Com um contraste gritante entre a beleza natural das praias remotas e florestas bravias e o espaço negativo do alienígena, Glazer criou um conflito estético perturbador que se instala... Debaixo da Pele.
O ORFANATO, 2007
A ensinar aos Óscares como se faz, a Academia das Ciências Cinematográficas de Espanha distinguiu o assombroso ensaio atmosférico de J.A. Bayona com 14 nomeações aos Prémios Goya, tendo este levado mesmo para casa sete prémios. Entre muitas outras coisas, O Orfanato é o tipo de filme que exibe orgulhosamente as mais distintas características que podem envolver o género de Terror, particularmente ao nível dramático e estético. Contrapondo o ambiente litoral com os vistosos interiores góticos, o clássico contemporâneo de Bayona apoia-se no poder do mito e da sugestão, com o auxílio de uma fotografia elegante que assume um papel ora de voyeur, ora de opressor em sequências longas, limpas e metódicas que são pontualmente marcadas por movimentos precipitados que acentuam um desconforto e suspense tão eficiente como apenas o de outros grandes clássicos do género.
It Follows, 2014
Se por algum motivo ainda não viu um dos melhores filmes de 2014, nós esperamos - reparou como nem precisamos de nos cingir ao género? Exato, é mesmo assim tão bom. Numa Era onde o Terror se concerne em exibir tripas esventradas a cada cinco minutos enquanto se alonga em exposições anticlimáticas dos planos mais maquiavélicos, Vai Seguir-te é o mistério sobrenatural onde não existe entidade mais assustadora do que o desconhecido. Numa lógica sapiente de "menos é mais", o realizador David Robert Mitchell e o diretor de fotografia Mike Gioulakis assumem uma abordagem minimalista que é quase hipnotizante no incómodo que alimenta ao longo do filme. Com geniais sequências onde a câmara se mantém desconfortavelmente estática durante longos períodos de tempo, somos obrigados a atentar em cada pormenor da cena que vai construindo uma tensão quase insuportável. É um fascinante e imperdível retrato de uma inocência corrompida pela traição e paranoia.
SHINING, 1980
Stanley Kubrick é um mestre do cinema e um realizador cujo contributo para o meio é virtualmente inigualável. Um dos seus clássicos mais reconhecidos tornou-o um mago do terror ainda que tenha sido o único filme do género que dirigiu – sim, leu bem. Shining é uma viagem barroca até à loucura onde o design de produção tem uma importância vital no enquadramento do mood, desde a decoração perturbadora do Overlook Hotel ao enigmático tapete que alimentou tantas e tão sugestivas teorias da conspiração. A fotografia é absolutamente histórica, pontuada por planos gerais de cortar a respiração e planos-sequência quase doentios no seu detalhe sistemático: o mais famoso de todos eles é a lendária sequência em que acompanhamos Danny no seu triciclo pelos colossais e labirínticos corredores do hotel. Enfatizando os temas do isolamento e da paranoia com um inquietante espetáculo de simetria e uso da cor, Shining é facilmente um dos filmes de terror mais meticulosos, belos e aterradores da história.
NOSFERATU, O VAMPIRO, 1922
Sendo um dos primeiros representantes do género de terror no Cinema, é impossível explicar quão influente Nosferatu é, sendo que quase 100 anos depois, continua a influenciar incontáveis cineastas na indústria. Permanecendo a epítome dos filmes de vampiros, o clássico de F.W. Murnau é um espetáculo de storytellingvisual – afinal, pertence à Era Silenciosa – onde o grão da imagem intensifica o desconforto, os ambientes foram iluminados de forma intencionalmente artificial e o uso da sombra é verdadeiramente fascinante para o seu tempo, estilizando toda e cada cena até à perfeição. É o filme de vampiros antes de os filmes de vampiros existirem.
DRÁCULA DE BRAM STOKER, 1992
Francis Ford Coppola regressa à fonte do mito de Drácula, e desse romance gótico, cria uma obra de arte moderna que se destaca facilmente como um dos mais estranhos filmes de terror de estúdio alguma vez produzidos. É certo que, narrativamente falando, deixa um pouco a desejar – especialmente se nos lembrarmos que falamos da mente por detrás de O Padrinho ou Apocalypse Now – mas a excelsa representação da história clássica de Coppola cria visões dignas de uma pintura de incalculável preciosidade. Com um estilo sumptuoso que pisca o olho à velha Hollywood, Drácula de Bram Stoker é um filme esteticamente focado, com uma atenção detalhada ao design de produção e ao guarda-roupa arrojados e extravagantes e que são o espelho da alma da obra: dignos de um pesadelo erótico quase Lynchiano. Uma contribuição imperdível para o vasto cânone da figura de Drácula.
VAMPIRO, 1932
Tecnicamente, o filme de Carl Theodor Dreyer é um "talkie", mas a verdade é que a reflexão sobre a mortalidade de Vampiro se manifesta, sobretudo e ainda, como um filme mudo. Num curioso contraponto para com o palavroso Dracula (1931) de Tod Browning, Dreyer usa pouco diálogo e sequências silenciosas pontuadas por alguns ornamentos auditivos para estabelecer o ambiente, enquanto visualmente se inspirou nas Belas Artes e numa técnica inovadora de soft focus esbatido nas suas imagens profundamente perturbadoras que realçou a natureza onírica de um dos grandes pesadelos do cinema.
A CELA, 2000
A Cela pode não ser exatamente o melhor filme de terror desta lista (desculpa, Jennifer Lopez), mas tem certamente um dos visuais mais impressionantes. Tarsem Singh navega – literalmente - pela mente depravada de um serial killer com uma estética se metamorfoseia de acordo com cada nível de consciência com grande simbolismo numa das incursões surrealistas mais peculiares do cinema moderno de terror.
KAIDAN, 1964
A sumptuosa antologia de Masaki Kobayashi compila quatro "histórias de fantasmas" clássicas do folclore japonês num sonho febril que facilmente se revela como um dos filmes mais belos que terá oportunidade de assistir. Com cada vinheta mais intelectual do que visceral a representar uma estação do ano, Kobayashi contrastou a beleza espetral de Kaidan com sets inteiramente desenhados e pintados à mão, numa manifestação de Arte Expressionista que evidencia a meticulosidade de uma obra que nos transporta para uma sinistra realidade alternativa.
REPULSA, 1965
O segundo filme da carreira de Roman Polanski (e o seu primeiro na língua inglesa) é normalmente negligenciado e ensanduichado entre a sua estreia (A Faca na Água, 1962) e os seus projetos mais mainstream subsequentes. No entanto, este doentio conto de tormento psicológico e sexual - que é o primeiro filme a "trilogia de apartamentos" do realizador - sobreviveu à passagem do tempo como uma das suas obras mais eficientes e preponderantes para a história do Cinema. Com Catherine Deneuve no papel principal e filmado num contrastante preto-e-branco, Repulsa é uma lição-mestra de construção de tensão e paranoia dando azo a sequências inesquecíveis de claustrofóbico surrealismo, reflexos contorcidos e ângulos incómodos que acompanharam exemplarmente a descida à loucura da mente perturbada da protagonista.
SUSPIRIA, 1977
Se já estava a ficar com comichões perante a possível omissão de Suspiria de uma lista que se digna a honrar as obras cinematográficas esteticamente mais extraordinárias, pode ficar descansado – nunca incorreríamos em tal blasfémia. De facto, o clássico de culto de Dario Argento é uma paragem obrigatória independentemente do género, sendo que Suspiria inspirou incontáveis gerações de cineastas até hoje e continuará a fazê-lo durante muito tempo. O violento pesadelo néon é uma das últimas glórias da Technicolor, um banquete visual onde os sets expressivos, as imagens distorcidas e as cores vibrantes e saturadas que simbolizam a dualidade da narrativa são as estrelas da companhia. Um pesadelo mágico e inesquecível do qual não conseguimos tirar os olhos.
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