Inspiring Women  

Patrícia Mamona: “Não gosto de comodismo. É aborrecido”

26 Jul 2018
By Irina Chitas

Correr, saltar, cair, levantar. Podemos estar a falar do trabalho diário de Patrícia Mamona ou de uma metáfora para a vida, mas qualquer das opções é boa o suficiente para nos inspirar. 

Correr, saltar, cair, levantar. Podemos estar a falar do trabalho diário de Patrícia Mamona ou de uma metáfora para a vida, mas qualquer das opções é boa o suficiente para nos inspirar. 

Patrícia Mamona © Frederico Martins
Patrícia Mamona © Frederico Martins

Há muito tempo - com óbvias mas, infelizmente, excepções residuais - que Portugal não parava para ver provas femininas de desporto. No que toca a atletismo então, há ainda mais anos que o público não deixava de fazer zapping entre as provas masculinas. Mas Patrícia Mamona conseguiu mudar isso ou, pelo menos, conseguiu fazer parte da geração que está a fazer os possíveis e impossíveis para que fazer com que o país se apaixone, a) por outro desporto para além de futebol, e b) pela noção de que não é o género que dita metas. Alcançar isto é mais ou menos comparável a uma corrida com barreiras, só que em vez de sprint falamos ao nível de uma maratona.

Patrícia Mamona não desiste disto porque Patrícia Mamona não desiste de nada. Quando a Campeã Europeia de Triplo Salto conseguiu o sexto lugar nos Jogos do Mediterrâneo no mês passado, não disse aos jornalistas que estava triste, não confessou que estava desmotivada, não se recusou a conversar. Disse, sim, ao Jogo, que "isto é o que estava a precisar para ver se acordava um bocadinho, ainda com mais força e motivação e agora só me apetece ir treinar e bombar." Correr, saltar, cair, levantar. Porque é que continuamos? Porque entre o "saltar" e o "cair" há frações de segundo em que chegamos a voar. 

Na sua história, até o nome Mamona tem significado. Pode contar-nos qual?

O meu apelido tem origem Angolana, e na região que o meu pai cresceu, Mamona significa visionário, alguém com uma visão para futuro.

Voltando ao início de tudo, como é que se apaixonou pelo triplo salto?

No atletismo existem diversos eventos e eu fui sempre uma rapariga que gostava de fazer um pouco de tudo. Por essa mesma razão, desde muito cedo, tive curiosidade e acabei por experimentar o triplo. Experimentei e gostei! Foi tudo tão natural e foi relativamente fácil aprender os básicos. O meu treinador percebeu logo que poderia ser uma disciplina em que eu poderia ser boa. Ele meteu-me logo a competir e na minha primeira competição nacional de triplo salto eu bati o recorde nacional do meu escalão, respectivamente. Até muito tarde (até 2012) continuei a fazer outras disciplinas mas percebi que o triplo era a disciplina que mais gostava de fazer. Eu acho o que me fez apaixonar pelo triplo foi o facto de ser uma disciplina difícil - eu sempre gostei de desafios - no entanto bastante bonita de se ver quando bem feita.

Fugia de casa para treinar. Porquê?

Bem, fugia porque os meus pais, na altura que em iniciei o atletismo, não me deram autorização para o fazer, mas eu queria mesmo fazer atletismo e senti que a única maneira de o fazer era fugindo de casa. Não aconselho a nenhuma criança a fazer o que eu fiz, há melhores maneiras de convencer os nossos pais a fazer algo que se gostamos muito.

Na primeira vez que os seus pais viram uma prova sua, bateu o recorde nacional. O que é que sentiu na altura?

A primeira vez que bati o recorde nacional, do meu escalão, foi um momento muito engraçado. Durante as competições nacionais existe sempre uma pequena marca, normalmente uma bandeira portuguesa, que corresponde ao corrente recorde nacional. Eu era muito nova e não estava a par dessa informação, a meio da competição o meu treinador veio ter comigo e explicou-me o significado daquela bandeira. Eu rapidamente disse ao meu treinador que ele deveria ter-me dito mais cedo sobre aquilo porque eu sabia que conseguia saltar além da bandeira. O meu treinador, obviamente, riu-se e disse-me então para saltar. Foi o que fiz, saltei, bati o recorde nacional e os meus pais começaram a adorar atletismo, ficaram todos babados. Obviamente, fiquei super feliz, foi um momento espetacular especialmente depois de ter conquistado o apoio dos meus pais.

Como é que o apoio dos seus pais evoluiu ao longo da sua carreira?

Desde o momento que os meus pais perceberam que eu gostava muito de atletismo e que tinha talento para a modalidade, apoiaram-me muito, mas sempre com a condição de completar a minha formação escolar. Hoje são super fãs e estão bastante orgulhosos daquilo que já conquistei, tanto a nível atlético como académico.

Ter a família ao seu lado é das coisas mais importantes?

Claro que sim. Embora esteja afastada deles para poder treinar profissionalmente, o apoio da minha família é incondicional. Sempre que eles têm oportunidade vão ver as minha provas, e sempre que eu tenho algum tempo livre vou a Inglaterra ter com eles para matar as saudades.

Foi para os Estados Unidos muito cedo. Como é que acha que essa experiência moldou a sua identidade?

A minha experiência no EUA foi muito gratificante e muito importante para o desenvolvimento da minha identidade. Fui sozinha e isso obrigou-me a tornar-me mais independente e a aprender a lidar e resolver os problemas sozinha, o que me tornou também uma pessoa bastante confiante em vários aspetos da minha vida.

Desde o início da sua carreira até agora: sente que a forma como Portugal encara o triplo salto mudou? Como?

Mudou muito e para melhor! Antigamente, explicar que existe uma modalidade do atletismo conhecida por triplo salto e no que consistia era complicado. Hoje em dia, fico com um sorriso na boca quando oiço alguém dizer: “olha a menina do triplo salto”.

Acha que uma das suas missões também é ajudar a popularizar o atletismo cá?

Penso que sim, há tanta coisa e tantos desportos giros para se praticar, mas como as pessoas não têm conhecimento, não têm interesse. Eu gosto muito do que faço, independentemente de ser popular ou não continuaria a fazer-lo, mas se os meus resultados ajudam no crescimento da modalidade isso dá me ainda mais prazer e motivação e alguma pressão adicional para continuar a fazê-la.

Compete e estuda, portanto a sua agenda não deve ter muitos minutos livres. O que é que lhe faz mais falta?

De ter mais tempo com a família.

Que estereótipos sente que teve de combater?

Desporto é para os homens…enfim...

Estamos habituados a vê-la de eyeliner, já se tornou numa imagem de marca. Manter a sua feminilidade foi uma forma de expressar a sua identidade?

Sim. Gosto muito de me sentir feminina, uso eyeliner ou faço um penteado super giro para expressar aquele lado feminino de que tanto gosto. Confesso que tenho bastantes dificuldades em encontrar roupa que me faça sentir igualmente feminina pois tenho o corpo bastante musculado (que gosto imenso) mas que me dá um ar mais agressivo. Eu procuro sempre o equilíbrio, tenho o meu lado agressivo e forte quando estou a competir, mas gosto de me sentir super mulher, princesa ao mesmo tempo.

O que é que sente que teve de construir em si para prosperar no atletismo? Sente que teve, por exemplo, de endurecer?

Eu acho que, no meu caso pessoal, tive que aprender a ser uma pessoa paciente. Sempre trabalhei muito mas chegou a uma altura em que trabalhava mas os resultados não apareciam, e por vezes sentia-me desmotivada, duvidava de mim mesma e das minha capacidades, e ao longo dos anos aprendi a ser paciente. Quando o tempo for o certo e se tiver a dar o meu melhor, os resultados vão aparecer. Caso não apareçam… estou de consciência limpa porque sei que fiz tudo que estava ao meu alcance.

Nunca se conforma?

Não. Não gosto de comodismo, é aborrecido, por isso estou sempre à procura do “next”, acho que este tipo de pensamento dá mais sentido à vida.

Onde é que encontra a beleza do salto?

O triplo é uma disciplina violenta, o corpo sofre de muitos impactos e para mim o facto de conseguir tornar algo violento em algo gracioso ( só por fora, porque por dentro doi um bocado) fascina-me.

O que é que a fascina?

A complexidade da disciplina do triplo salto. Eu tenho um dedinho para as coisas difíceis, mas sabe tão bem quando consegues superar as diversas dificuldades que a disciplina traz.

Há uma espécie de transe quando salta?

Sim, eu costumo dizer saltar com o coração. Eu não me recordo dos meus melhores saltos por estar neste estado de transe, é como se tivesse a saltar em piloto automático. É um bocado frustrante quando faço um bom salto, o meu treinador diz que foi perfeito e que devia guardar as sensações  dos saltos para o repetir, mas eu não sei o que fiz… estava em transe. Apenas sei que saltei e que foi bom.

Qual é o cocktail de emoções numa competição?

Depende da competição, mas numa competição importante é normal que esteja ansiosa. Durante a competição, varia de acordo com o meu desempenho, posso estar mais calma quando fiz bons saltos, como posso estar com um pouco de raiva por não estar a correr como queria, mas o mais importante é estar sempre focada em melhorar.

Percebi que é uma pessoa muito focada no agora. Mas como é que encara o futuro?

Sem muitas preocupações porque aquilo que eu faço agora constrói o meu futuro. O futuro constrói-se hoje, e não amanhã. Se eu não fizer nada agora…provavelmente não vou ter nada no futuro.

Três mulheres que a inspiram?

A minha mãe, Oprah e Serena Williams.

Irina Chitas By Irina Chitas

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