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Moda e sustentabilidade: um futuro com passado

18 Oct 2019
By Mónica Bozinoski

Vestir a consciência ecológica, aplicar o selo clean no rosto ou deixar de asfixiar a casa e o planeta com a leveza sufocante do plástico podem parecer tendências do hoje – mas a sustentabilidade, essa chave que promete abrir as portas da indústria da Moda para deixar entrar um futuro menos negro e mais verde, não é uma coisa do agora.

Vestir a consciência ecológica, aplicar o selo clean no rosto ou deixar de asfixiar a casa e o planeta com a leveza sufocante do plástico podem parecer tendências do hoje – mas a sustentabilidade, essa chave que promete abrir as portas da indústria da Moda para deixar entrar um futuro menos negro e mais verde, não é uma coisa do agora.

Fotografia de Chris Milo. Realização de Alessandra Mastantuoni.
Fotografia de Chris Milo. Realização de Alessandra Mastantuoni.

Estávamos a 28 de dezembro do ano passado quando a Dazed, a poucos dias de um novo ano cair sobre nós, publicou um artigo que defendia que “2018 foi o ano em que a Moda começou a ficar séria em relação à sustentabilidade” — o mesmo ano em que, segundo o relatório anual Year in Fashion da Lyst, “a sustentabilidade foi, legitimamente, um tema central para a indústria, com muitas marcas a enfatizar os seus materiais sustentáveis e técnicas de produção”, verificando-se um aumento de 47% das pesquisas que incluíam termos relacionados com o movimento, entre eles “pele vegan”,“algodão orgânico” e “econyl”. Porquê apenas em 2018, se falamos de alterações climáticas, condições de trabalho justas, consciência ética e impacto no meio ambiente há anos e anos? Como escreveu a jornalista Sophie Benson, “a primeira parte da resposta está em David Attenborough
 que, vamos admitir, não é um nome frequentemente citado no circuito da Moda. Mal recuperados da nossa ressaca coletiva de Ano Novo, milhares de nós passaram a primeira noite do ano a assistir ao episódio final de Blue Planet II, onde vimos cenas com crias de baleias sem vida, tartarugas encurraladas em sacos de plástico e correntes de lixo nos oceanos.” Benson continua: “À medida que a população geral percebeu que, se calhar, estávamos a estragar o único lar viável para o ser humano, a indústria da Moda — surpreendentemente tida como a segunda indústria poluente a seguir à do petróleo — nunca esteve longe da mira das pessoas.”

Outra pergunta: onde é que está a nossa obsessão pela nostalgia quando mais precisamos dela? Afinal de contas, a sustentabilidade não é uma coisa do agora, nem tampouco uma coisa de 2018. Se pensarmos bem, antes da Vetements ter instalado uma pilha de roupa numa montra do Harrods
 para chamar a atenção dos consumidores para o desperdício desenfreado da indústria, já Vivienne Westwood tinha redigido um longo manifesto sobre tudo o que estava de errado com ela. Se pensarmos ainda melhor, antes de 32 empresas da indústria terem assinado um muito recente Fashion Pact, onde se comprometem a lutar contra as alterações climáticas, contra a perda da biodiversidade e contra o impacto negativo que o atual sistema de Moda
 tem nos oceanos, e no ambiente em geral, já Stella McCartney tinha prometido a si mesma e ao mundo, desde 2001, que faria de tudo para que todos nós tivéssemos um futuro, e um planeta onde viver. Continua a achar que isto da sustentabilidade é uma coisa só (e ênfase no só) de 2019?

Eileen Fisher

Corria o ano de 1984 quando Eileen Fisher, com 350 dólares no banco, decidiu criar a sua empresa homónima — uma marca de roupa assente na ideia de que as mulheres procuravam peças de roupa simples e elegantes, que pudessem ser facilmente combinadas entre si. Até aqui, a história de Eileen podia ser como qualquer outra, não fosse Eileen uma das primeiras mulheres na indústria da Moda a criar uma marca onde a sustentabilidade não é uma simples estratégia de marketing do agora, mas sim uma prioridade do sempre. Uns bons dez anos à frente dos seus pares, Eileen Fisher fundou o seu primeiro projeto de reciclagem em 2009, então chamado de Green Eileen, encorajando os consumidores a “devolverem” peças da marca que já não usassem para que estas pudessem ser, posteriormente, revendidas com um desconto. Hoje, a iniciativa pioneira dá-se pelo nome de Renew — e, em 2018, 3 milhões dos 800 milhões de lucros gerados pela marca vinham deste programa de reciclagem. Para além de uma clara e crescente consciência por parte dos consumidores, que estão cada vez mais cientes do impacto negativo que comprar e deitar fora tem para o planeta, o sucesso da iniciativa, como explicou Carolina Bedoya (atual gerente de revenda e reciclagem da empresa) à edição norte-americana da Vogue, prende-se também com o facto das peças de Eileen Fisher serem “mais adequadas à reciclagem do que outras. Porque são, há muito tempo, de origem ética, orgânicas e livres dos tingimentos prejudiciais que fariam com que fosse difícil limpá-las en masse e reconstruí- las.”

Eileen Fischer © Getty Images.
Eileen Fischer © Getty Images.

Mais factos sobre o compromisso de Eileen Fisher com a sustentabilidade quando esta era tudo menos uma preocupação das massas? Se entrar no site da marca, irá perceber que a iniciativa Renew é uma das muitas formas de como Eileen está a ajudar o planeta — e a indústria — a ser melhor. Fibras orgânicas, fibras responsáveis, tingimentos certificados e tingimentos naturais. Valorizar o comércio justo, o artesanato e o trabalho das mulheres. Lutar contra o desperdício, defender os direitos humanos, proteger os recursos naturais e combater as alterações climáticas. Tudo isto acontecia há 35 anos, quando ninguém concebia a sustentabilidade — e Eileen não tem qualquer intenção de parar. “Precisamos de transitar de uma economia de usar e descartar para uma economia de reutilizar”, defendeu Fisher ao The Washington Post, em 2018. “Enquanto manufatores, queremos estimar os recursos que estamos a usar, para fazer roupas que podem durar e ser reaproveitadas. Queremos que os consumidores valorizem as nossas peças.”

Este ano, e confirmando a sua indiscutível influência, Eileen foi distinguida com um Positive Change Award nos CFDA, onde deu um discurso emotivo sobre a importância de tornar a indústria cada vez mais sustentável. “Pensei muito naquilo que queria dizer a todos vocês”, declara Eileen. “Pensei, ‘bem, acho que não tenho de lhes dar a notícia deprimente de que o nosso planeta está a arder ou que esta indústria não é sustentável’. Acho que todos vocês sabem isso. E sei que muitos de vocês já estão a fazer um bom trabalho. Por isso, quero aproveitar este momento para vos encorajar a usarem a vossa criatividade, as vossas paixões, os vossos talentos, os vossos recursos, e trabalharem no sentido de repensar, reimaginar e reinventar esta indústria incrível, porque ela precisa mesmo que vocês o façam.”

É certo que ainda há muito para fazer. Mas enquanto houver Eileen, haverá esperança.

Stella McCartney

Falar de sustentabilidade sem falar de Stella McCartney — uma das indiscutíveis pioneiras do movimento — é um crime quase tão grande quanto ignorar que a indústria da Moda tem um problema. “Se estamos a queimar o equivalente a um camião de roupa a cada segundo que passa ou a usá-la como aterro, não há nada de atraente nisso”, defendeu Stella McCartney quando questionada sobre o poder de atração da durabilidade de uma peça de roupa, numa entrevista à BBC, em 2017. “Acho que, no final do dia, estamos todos a viver neste planeta, juntos, e precisamos de sobreviver, sabes? Esta indústria é muito nociva, mas não tem que ser assim” — e, se dependesse de Stella McCartney, não seria assim há muito tempo.

Stella McCartney © Getty Images.
Stella McCartney © Getty Images.

Aos 12 anos, Stella decidiu que queria ser designer e que, nesse mesmo papel, nunca usaria pele, pelo ou penas. É um statement arrojado para alguém que, em 2001, viria a fundar a sua própria marca de luxo — um segmento onde, até muito recentemente, seria impensável trabalhar com materiais que não fossem igualmente “nobres”, “luxuosos” e “exclusivos”. Não para alguém como Stella McCartney, claro. Em 1995, aquando da apresentação da sua coleção na Central Saint Martins, a jovem criadora percorreu mundos e fundos para garantir que os oito looks envolvidos no projeto fossem feitos com materiais animal-friendly. “Porque é que temos que usar todos estes químicos para tratar a pele? Porque é que temos que destruir as florestas para comer carne? Não temos necessariamente que fazer isso, ou temos?”, questionou a criadora numa entrevista à Refinery29. “No final do dia, o nosso objetivo é termos mais tempo neste planeta, certo?”

As perguntas de Stella continuam tão pertinentes como a mensagem sustentável sobre a qual fundou a sua marca homónima, em 2001 — a primeira marca de luxo vegetariana, com um modelo de negócio assente na responsabilidade. Os feitos de Stella McCartney em nome de uma indústria sustentável estão mais do que documentados, mas nunca custa relembrar: em 2003, lançou o seu primeiro perfume, STELLA, uma fragrância vegan e não testada em animais; um ano depois uniu forças com a Adidas para lançar adidas by Stella McCartney, uma linha desportiva cruelty-free e sem pele; no que se seguiu, colaborou com a H&M numa coleção com peças feitas de algodão orgânico e criou a primeira oferta de ganga feita com algodão orgânico. Quando 2010 chegou, McCartney apresentou ao mundo a icónica Falabella, uma carteira sem pele e cruelty-free, e comprometeu-se a não usar mais PVC nas suas coleções. Dois anos mais tarde, usou a Apinat, uma borracha biodegradável, nos sapatos da sua marca homónima. A lista continua — e a luta de Stella McCartney também. 

Livia Firth

É provável que reconheça o nome de Livia Firth pelo seu papel fundamental como produtora executiva de The True Cost, o documentário de 2015 que chocou o mundo com a sua história sobre roupa — mais precisamente, “sobre a roupa que usamos, as pessoas que a fazem e o impacto que a indústria está a ter no nosso planeta.” Foi um projeto difícil de digerir. Assim que o documentário viu a luz do dia, ninguém se atrevia a responder “não” à pergunta: “Então, já viste o The True Cost?”

Apesar da influência monumental que este projeto teve em consciencializar as massas do problema crescente da indústria da Moda, não era o único que tinha o selo de Livia Firth. Em 2009, aquela que é uma das mais vocais e públicas defensoras do movimento sustentável fundou a Eco Age, uma empresa de consultoria especializada em sustentabilidade que conta com clientes como Chopard, Stella McCartney, Erdem, Gucci e Net-a-Porter. “O meu irmão Nicola foi a inspiração por detrás da Eco Age”, explica Livia no site da empresa. “Ele percebeu que existia uma lacuna no mercado para soluções ecológicas especializadas no lar. Estávamos em 2017 e foi aí que tudo começou. Um ano depois, enquanto embaixadora global da Oxfam, fui ver um projeto contra a violência doméstica no Bangladesh e, enquanto estava em Daca com a Lucy Siegle, pedi para nos levarem a uma fábrica. Foi a minha primeira experiência numa fábrica e fiquei completamente chocada. Quando voltei para casa, disse ao Nicola que tínhamos que esquecer aquela ideia inicial — isto era maior que nós. Temos problemas humanitários e ambientais gravíssimos na indústria da Moda — o que é que podemos fazer para os resolver? E essa foi uma nova fase para a Eco Age.”

Livia e Colin Firth © Getty Images.
Livia e Colin Firth © Getty Images.

Em 2010, e numa altura em que recorrer a designers conscientes e vestir peças sustentáveis era algo considerado de nicho, Livia Firth e Lucy Siegle (a jornalista e escritora britânica que, dois anos antes, escreveu o livro To Die For: Is Fashion Wearing Out the World?) criaram o projeto Green Carpet Challenge, uma iniciativa que tinha como objetivo dar visibilidade à sustentabilidade e aos criadores que a praticavam, colocando o movimento no centro da passadeira vermelha. “Queria aproveitar o facto de ir a estes eventos com o Colin [Firth] para chamar a atenção para questões de justiça ambiental e social através dos vestidos que estava a usar”, explicou Livia, que usava apenas coordenados feitos com métodos sustentáveis em mente. Desde então, o projeto inspirou nomes como Emma Watson, Gisele Bündchen, Penelope Cruz, Meryl Streep ou Viola Davis — que, em 2012, usou um vestido de Giorgio Armani para os BAFTA Awards, feito de latas de refrigerante recicladas — a fazerem o mesmo. “Não existe nada mais poderoso do que uma passadeira vermelha para comunicar histórias e, por isso, é fundamental ter o apoio dos talentos que nela caminham para enaltecer quem está por detrás das roupas que usamos”, defendeu Livia à edição britânica da Vogue. “Basta olharmos para o poder político que
vimos nos coordenados todos pretos dos Golden Globes de 2018! A nossa próxima grande missão é convencer todos os influenciadores a começarem a usar o seu poder para promover as questões de ética. Digo sempre que se a Kim Kardashian decidisse promover a moda sustentável, podia reformar-me.”

Vivienne Westwood

Não é segredo para ninguém que Vivienne Westwood é uma das criadoras mais vocais, ativistas e não conformistas da indústria da Moda, da mesma forma que não é segredo para ninguém que Vivienne Westwood tem unido esforços, tem saído à rua em protesto e tem lutado para nos mostrar que, quando o tema é sustentabilidade, as nossas atitudes, por mais pequenas
 que possam parecer, contam. E muito. Em 2012, aquando da apresentação da primavera/verão 2013 da sua Red Label, Vivienne Westwood tomou a passerelle de assalto, em jeito de eco-warrior pronta para lutar pelo meio ambiente, com uma t-shirt onde se podiam ler as palavras Climate Revolution (em português, “revolução pelo clima”). Para os presentes, Westwood tinha apenas uma coisa a dizer: “Comprem menos, escolham bem, façam com que dure.” Citada pelo The Herald, a criadora foi mais longe e disse: “Quero usar esta plataforma para falar sobre as alterações climáticas, que são um perigo enorme. No espaço de uma geração, podemos chegar ao ponto da extinção em massa. Já começou, por isso decidi começar uma revolução pelo clima.”

Vivienne Westwood © Getty Images.
Vivienne Westwood © Getty Images.

Passados dois anos, a “mãe do punk” lançou uma campanha fotográfica para apoiar a iniciativa Save the Arctic da Greenpeace, declarando que, naquele momento, continuava mais interessada na qualidade do que na quantidade, e que não ia defender a indústria da Moda. “Se me sinto culpada com todo o consumismo que a indústria da Moda promove?”, disse Westwood citada pelo The Guardian. “Bom, posso responder a isso dizendo que, agora, estou a tentar fazer com que o meu negócio seja mais eficiente e autossustentável.” “Aquilo que quero é que as pessoas consigam comprar bem, primeiro ao escolherem bem e depois ao fazerem com que as coisas durem”, continuou a designer. “E também acredito que, se todos nós usássemos apenas algumas peças realmente bonitas, não existiria este problema das alterações climáticas. Na minha opinião, é pior para alguém sair de uma loja com um saco cheio
 de t-shirts feitas numa fábrica que explora os seus funcionários do que uma mulher com dinheiro comprar um vestido bonito.”
 Por outras palavras, não é só aquilo que consumimos que conta: é também a forma como consumimos, tantas vezes desenfreadamente, sem consciência ou responsabilidade.

O ano passado, para a sua coleção primavera/verão 2019, a Dame continuou a afirmar a sua atitude punk com uma campanha verdadeiramente poderosa. “Parte da minha filosofia é — se tivéssemos cultura em vez de consumismo, não estaríamos nesta confusão ambiental porque teríamos um ethos diferente”, defendeu Westwood. “A melhor coisa que disse para salvar o planeta e todos nós é: comprem menos!” Nada a acrescentar.

Mónica Bozinoski By Mónica Bozinoski

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