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Linha Fantasma: a entrevista a Paul Thomas Anderson

01 Mar 2018
By Vogue Portugal

Fomos a Londres saber tudo o que Paul Thomas Anderson tem para contar sobre um dos grandes filmes do ano.

Fomos a Londres saber tudo o que Paul Thomas Anderson tem para contar sobre um dos grandes filmes do ano.

Paul Thomas Anderson no set de Linha Fantasma © Focus Features
Paul Thomas Anderson no set de Linha Fantasma © Focus Features

Atenção: este artigo contém spoilers. Mas é muito provável que não se importe - apostamos que já viu Linha Fantasma, o portento de Paul Thomas Anderson (nome mais do que suficiente para nos levar às salas, mesmo que o protagonista não fosse inspirado nos grandes couturiers dos anos 50). Se este é, de facto, o último filme de Daniel Day-Lewis, não poderia ser uma despedida melhor. 

Este protagonista veio de um conjunto de designers que estudou, ou só de um?

De muitos, na verdade. É muito difícil, às vezes, quando começas a nomear pessoas. Dizes Cristóbal Balenciaga e depois olhas para a nossa personagem… eu nunca conheci o Balenciaga, óbvio, mas por muitas semelhanças que existam, há vastas diferenças. Se eu fosse filho do Balenciaga ficava tipo ‘espera aí, o Reynolds é um canalha, o Balenciaga não era nada assim’ (risos). Do que eu sei, ele não era uma pessoa má. Era muito exigente, era tudo sobre o trabalho. Charles James é outra das referências. Online estava assumido que estávamos a fazer um filme sobre o Charles James porque eu fiz muita pesquisa sobre ele. Ele era mais um escultor, e a ironia da vida dele é que ele não tinha uma irmã, ou um irmão, para lhe gerir a vida, e ele poderia ter sido um dos grandes, mas nunca conseguiu gerir o seu sucesso, era totalmente inapto a gerir o lado corporativo desta profissão criativa. Há muito de Norman Hartnell no filme, há muito de gajos menos conhecidos como o John Cavanaugh, a lista de pequenos pormenores que roubámos não tem fim. Estávamos sempre à procura de justificações para a escala em que estávamos a fazer as coisas, às vezes tivemos de fazer marcha atrás. O tamanho e a escala da casa do Michael Gerard foi a que mais gostámos. Uma casa georgiana, com dois níveis; o de cima ser dedicado à alfaiataria e às costureiras, e tudo isso; servir uma clientela abastada, mas não em número suficiente que tivéssemos de ter 200 empregados - não tínhamos dinheiro para 200 empregados (risos) 

Sendo que a obsessão pela Moda e pela Alta Costura continua nos dias de hoje, porque é que foi importante localizar o filme nos anos 50, e não agora?

Não teria sido tão divertido se lidássemos com a Moda da forma como lidamos hoje, não sei porquê. Há uma tendência nos dias de hoje em que vês menos e menos filmes passados depois de 1993, e acho que tem a ver com o quão desinteressante é olhar para pessoas a mexer nos telefones e a olhar para computadores. É mesmo, mesmo aborrecido. E também é pouco dramático. Não há muito em jogo quando podes só ligar a uma pessoa ou ir a uma rede social perceber onde é que eles estão. E também há a questão destes vestidos terem atingido o auge nos anos 50, que foram uma década incrível. E também tens uma coisa de pós-guerra, o que é sempre bom.

Fala-se muito de referências a Hitchcock - até o nome da personagem feminina é o mesmo da mulher dele, Alma. Pensou nisso enquanto fazia o filme?

Houve grandes pensamentos em relação ao Hitchcock, claro, mas é um bocado como ires ver Hamlet ao teatro, pode dar azar. Obviamente adoro o Rebecca e o Vertigo, são os meus preferidos. Acho que, como filmmaker, tens de te reeducar constantemente, de voltar ao teu grande mestre, recarregar e relembrar porque é que ele era tão bom, como é que fazia as coisas e, espero eu, não fazer um pastiche do Hitchcock, porque isso é muito limitador, mas tentar absorver elementos que são universais, que duraram para sempre. É engraçado, mas se olhares para o poster do Rebecca, os posteres iniciais, especialmente na América, o nome dele está minúsculo no fundo do cartaz porque era o primeiro filme dele lá e toda a gente estava interessada era na Daphne du Maurier - e era o nome dela que aparecia em grande. Relembrar-me dessas coisas foi muito bom.

Quanto ao nome Alma, devias falar com a Vicky sobre isso, porque a única coisa que me lembro foi de googlar “nomes de bebés populares no Luxemburgo em 1930” (risos). Nós nem falámos sobre isto, mas ela disse a um amigo meu que ela se lembrou de Alma porque viu um documentário sobre Hitchcock e achou que era tão incrível que esta mulher estivesse quase ao serviço do Hitchcock e que eu disse que era uma ideia ótima - mas eu não me lembro disto, de todo. Mas é perfeitamente possível que tenha acontecido.

Trabalhou muito em conjunto com o Daniel?

Incrivelmente em conjunto, sim, todos os dias durante um ano enquanto nos preparávamos para filmar. A coisa toda demorou uns dois, três anos. Escrevíamos juntos.

É verdade que aproveitou esta oportunidade para fazê-lo parecer mais atraente, em oposto a There Will Be Blood? É que, no que toca a beleza interior, o Reynolds é muito mais feio.

Uma das ideias era mesmo um sentido de estilo para esta personagem, uma espécie de Beau Brummell, uma abordagem um pouco dandy, essa foi a ideia inicial, que acabou por não se formar por completo, acabou por ir noutro rumo. Sim, tens razão, vestimo-lo bem por fora, penteámos-lhe o cabelo, mas por dentro há alguma decadência, sim.

Não foi Beau Brummell a personagem que John Greenwood lhe mencionou?

Sim, exatamente. Começas a ler muito sobre o Beau Brummell e a pensar numa personagem, e quando reparas estás a pensar no que é que come de manhã, como é que se senta... Encontrei uma personagem consumida por si própria, que ia ficar bem numa relação com alguém que tem de encontrar uma maneira de entrar. 

Mas a banda sonora do John Greenwood não se parece nada com Radiohead. O que é que achou?

Eu não concordo, mas se calhar é porque o conheço tão bem, conheço toda a sua música tão intimamente que tudo me soa a ele, das teclas ao sentimento. Sinto que caminha para algo diferente mas que continua a ser muito dele. Talvez haja mais romantismo do que normalmente ouvirias nos Radiohead, mas ali ele é uma de cinco pessoas, e aqui era só ele e eu. Não sei. Deviam dar-lhe todos os prémios que existem. Ele é tão bom, a música é tão boa. Tenho tido imensas pessoas a dizer-me que a ouvem no metro nos headphones e eu fico tão contente que tenha atingido este nível de as pessoas a quererem ouvir fora da sua vida no filme. Fez-me mesmo feliz.

Acha que a única forma que conseguia fazer um filme sobre relações era retratar um amor, como dizer, decadente, tóxico, peculiar?

O amor é estranho. O amor é peculiar. Acho que era aborrecido fazer um filme que dissesse que o amor é incrível: aborrecido. O amor é entusiasmante: hum… okay… mas não ia demorar muito tempo.

Era uma curta metragem.

Exato! (risos) 

Pode falar um pouco da relação dele com as mulheres? Porque elas são, basicamente, a vida dele.

É boa e fodida. Ele está rodeado delas, a irmã dele é que manda mas deixa-o acreditar que ele é que manda, a mãe dele claramente mexeu-lhe com a cabeça e deixou-o fodido. Basicamente, em termos desta pesquisa, percebemos, uma e outra vez, e não sei como é que é agora, mas historicamente os couturiers tinham mães de punhos muito fortes que os ensinavam a coser. Geralmente criavam situações em que eram mimados, os pés não tocavam no chão, eram criados para fazer esta coisa, à exclusão de qualquer irmão ou irmã que tivessem, e era, geralmente, para os tirar da pobreza, para os levar para outro estrato social. A sério, historicamente vemos que há este, e outro, e outro. O resultado desse tipo de educação em termos das suas relações pessoais com as musas e estas mulheres que entram na vida dele é complicado. É obviamente complicado para ele ter uma relação que não seja combativa, que não seja, de alguma forma, lutar contra. Ele está, obviamente, à procura de uma luta, mas é constantemente gratificado, todos os dias, com cinco mulheres que entram na sala e o veneram, e ele veste-as e elas sentem-se perfeitas e bonitas.

Como é que pensou na Leslie Manville?

Eu conhecia-a, mas foi o Daniel o primeiro a dizer "Leslie Manville". E eu disse tipo ‘boa ideia, boa ideia’. Para ser justo, neste país, há umas vinte atrizes que conseguiriam representar aquele papel. Mas a Leslie pareceu-me certa, senti que nunca a tinha visto fazer aquilo. Eles ficam ótimos como irmão e irmã, daquela forma em que ele é tão alto, ela é tão baixa, eu já vi irmãos assim. A lista de razões é longa, mas estou muito feliz que ela tenha aceite, porque ela é tão boa, e tem uma dinâmica tão presente, muito autoritária e muito, muito engraçada. É isso que tens com ela, um sentido de humor muito seco e negro.

O que é que gosta mais no processo de fazer um filme?

Eu gosto muito de escrever. É mais barato, tenho menos pressão, podes fazê-lo por ti próprio. Mas gravar é mesmo divertido, porque há uma comunidade e é social, mas tem muita pressão e é caro, e desgasta-te, afasta-te da tua família, é difícil. E quando te fartas disso, é mesmo entusiasmante voltar à sala de edição, onde há menos pressão e podes estar com a tua família, e tens o teu material para trabalhar - ou não, e tens de te livrar dele. Eu diria, sem ofensa, que a parte menos boa é promover o filme (risos), porque sabes porque é que tens de o fazer, e é incrivelmente bom fazê-lo, e é a única maneira de levar as pessoas a verem o teu filme. Não interessa o que fizeste antes, tens de dizer às pessoas que o teu filme existe, porque há tantos filmes. Mas o que acaba por acontecer é que começas a sentir que és um impostor, começas a pensar ‘tenho de voltar ao meu trabalho’. Mas sem isto, as pessoas nem sabiam que o filme existe. E eu já passei por isso, é doloroso. O filme desaparece. 

E é importante o filme ser parte do award buzz?

Sim, por causa do que acabei de dizer. Nós já estreámos nos EUA, mas se não estivessemos nomeados, teríamos mais umas duas semanas em sala, talvez três. Mas agora vamos ter mais dois meses. Não há nada de errado nisso. E isso mantém-te fora das caixas da televisão e dos telefones durante um bocadinho mais de tempo. Para mim, isso é incrível.

Acredita que as salas de cinema vão sobreviver?

Claro. Vai ser engraçado alguém descobrir um jornal velho e dizer ‘olha o que este idiota disse, que os cinemas iam continuar a existir’, quando a civilização já estiver toda a viver no subsolo. Achas que vão desaparecer? Não consigo ver isso a acontecer.

O Daniel disse que este seria o seu último filme. Acredita nele? E, no seu caso, anunciaria se estivesse a pensar fazer o seu último filme?

Eu acredito nele. Acredito cada vez mais todos os dias. Não sei, acho que não anunciaria a minha reforma.

O Quentin Tarantino diz que faz dez filmes, e acabou.

Quantos é que lhe faltam?

Dois.

Oh, isso são tretas. Nem pensar. O próximo vai ser o nono? Nem pensar. As pessoas dizem essas coisas? Porque é que as pessoas dizem essas coisas?

Auto-promoção. Às vezes reformam-se e voltam, como o Soderbergh.

Sim, isso foi para quê? Não entendo.

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