Inspiring Women  

Justa Nobre: "Não há presente nem futuro sem passado"

23 Aug 2018
By Irina Chitas

Quando era pequena, queria ser cozinheira ou enfermeira. O que Justa Nobre queria mesmo era "tratar do bem-estar dos outros" e só temos de lhe agradecer por isso.

Quando era pequena, queria ser cozinheira ou enfermeira. O que Justa Nobre queria mesmo era "tratar do bem-estar dos outros" e só temos de lhe agradecer por isso.

Justa Nobre © D.R.
Justa Nobre © D.R.

Encontramo-nos a meio da tarde, n'O Nobre, a casa da sua cozinha no Campo Pequeno. Justa é despojada, desenrascada e despachada, tem todas as respostas na ponta da língua e a cozinha portuguesa na ponta dos dedos.

Quando era mais pequena gostava de ver a reação de quem estava à sua volta e provava os seus cozinhados?

Não, era para a família, para os pais e para os irmãos, por isso era normal. Quando vivemos na aldeia e somos uma família grande é normal a gente começar a ajudar e a fazer - claro que de vez em quando tinha elogios, quando já matava eu um frango, uma galinha, e a depenava e a arranjava e a cozinhava, claro que tinha elogios, porque estava muito bom… mas aquilo para nós quase que era natural. 

E é uma coisa que se passa muito dentro da família.

É, famílias grandes, famílias grandes é normal. A gente vem da escola, a mãe está a lavar a roupa no tanque municipal e dizia “Justa, vai descascando as batatas, olha vai preparando isto e aquilo”. 

Nunca encarou como obrigação porque gostava mesmo de o fazer.

Não, para mim brincar ou cozinhar era igual. Eu era muito feliz a cozinhar. Adorava ir para a cozinha. Não era obrigação nenhuma, nenhuma, nenhuma. 

E hoje ainda fica muito feliz a cozinhar.

Fico, muito. Aliás, eu costumo dizer que se estou muito triste, gosto de ir para a cozinha. Se estou muito feliz, gosto de ir para a cozinha.

É uma espécie de terapia?

É. Tanto para um lado como para o outro. Se estou muito eufórica, a cozinha acalma-me. Se estou muito triste a cozinha acalma-me noutro sentido, pus a preocupação de lado e passei a pensar numa coisa muito mais importante, que é cozinhar.

Nesses momentos em que está mais triste, ou mais feliz, quando vai para a cozinha, prefere cozinhar o que já conhece ou improvisar?

Ai, isso nunca se sabe o que é que acontece. Muitas vezes é o que houver no frigorífico, se estou em casa. Se estou aqui no restaurante, que é mais vezes no restaurante do que em casa, como é lógico, começo a pensar… quando a gente está triste ou chateado, parece que olha para a ementa e há lá qualquer coisa que já não quer. Já não me agrada. Por isso vamos pensar em substituir este prato que já não me agrada. Mas não sei porque é que não me agrada - naquele dia não me agradou, é como quando nos vestimos, se estamos bem dispostos gostamos de toda a roupa que temos no roupeiro, se estamos mal-dispostos ou se estamos tristes não temos nada de jeito no roupeiro para vestir, é ou não é? Com a comida é um bocadinho isso. Se estou na cozinha às vezes apetece-me tirar um prato da carta, outras vezes chegou um produto novo, um peixe que a senhora do peixe me mandou, ou olho para as coisas com outros olhos, não sei, os dias não são iguais e a maneira de nós estarmos e de pensarmos e de reagirmos não é igual. Portanto para mim é indiferente, é cozinha na mesma, é criar pratos, esteja bem disposta ou esteja mal disposta, acabo por me sentir sempre feliz a cozinhar. E às vezes preciso mesmo de ir pensar para a cozinha, gosto de estar ali um bocado, e há alturas em que gosto de estar calma, mas normalmente gosto de estar na cozinha a criar pratos com confusão, com gente a trabalhar, eu preciso de stress. Preciso de adrenalina. De maneira que com adrenalina eu vou não sei onde, sem parar.

E sempre foi assim?

Sempre fui assim, sempre gostei de adrenalina. O trabalho é para fazer, é para fazer. Trabalho incansavelmente a fazer o que for preciso, seja a criar, seja a fazer um casamento, seja a fazer o nosso dia a dia, não há problema nenhum. Eu se estiver aborrecida em casa, uma ótima terapia para mim é arrumar gavetas. Arrumar gavetas, arrumar a despensa, preciso de arrumar! Cada maluco com a sua mania, mas, para mim, arrumar gavetas, arrumar roupeiros, arrumar. Se eu estou aborrecida eu preciso de arrumar, parece que estou a arrumar as ideias da minha vida - há quem diga isso, não sei. Por exemplo, eu adoro arrumar a despensa. Parece que quando vou lá buscar coisas parece que já não se arruma no mesmo sítio, então de vez em quando lá estou eu a arrumar a despensa.

Se a cabeça estiver uma confusão, pelo menos o resto está arrumado.

Eu acho que está tudo numa confusão: a cabeça mais os produtos. Portanto, ao arrumar os produtos, ao arrumar as gavetas, a cabeça arruma-se também. E às vezes até gosto de estar a fazer essas coisas e não estar a pensar em nada. Tipo estar a fazer uma limpeza à cabeça. E outras vezes apetece-me pensar imenso, vou fazendo, vou pensando, depois estou a pensar em coisas que até vou escrever, depois do nada lembro-me de criar uma receita em casa… se eu andar a arrumar a despensa e se vejo lá dois ou três produtos e que penso “Ai este ficava bem para fazer este prato”, vou ao frigorífico e ao congelador, se lá tiver produto - ou então não acabo de arrumar o que estou a arrumar, porque entretanto já parti para outra, meto-me no carro e vou fazer compras e já estou em casa a fazer uma receita. Às vezes o meu marido sai de casa quando eu tenho de criar receitas, que me sejam encomendadas ou sejam aqui para o restaurante, e sai às dez da manhã, e quando chega à uma da manhã eu ainda estou no mesmo sítio: na cozinha. O bom da vida é os dias serem diferentes. Uma vida monótona acho que era assim um bocadinho chato.

Especialmente para uma mente criativa.

Pois, eu não sei como é que é para as outras, mas para a minha era. Uma vida monótona… que maçada. Sempre no mesmo sítio a fazer a mesma coisa, não.

É que a cozinha permite-lhe isso, todos os dias.

A cozinha permite tudo. E eu permito-me tudo, percebe? Gosto de criar, gosto de estar, sou um bocado irrequieta, e sou muito intuitiva, por isso é que estou a arrumar, olho para dois produtos, “Epa, tive aqui uma ideia”, toca a comprar as coisas, vamos ver se resulta, se é verdade ou não. É a minha intuição que às vezes está mais ativa, outras está menos ativa, depende também do cansaço, depende de muita coisa.

Isto parece quase aquele cliché das mulheres do Norte, que são muito despachadas.

Sim, sim, sou muito despachada. Eu costumo dizer que ainda estou a acabar de pensar e já estou a fazer. Pensar e fazer, tem que ser logo. Para mim não há aquela coisa de pensar, e como, e quando, não não não, é para fazer, é já. Olhe, eu vou-lhe contar uma que é muito engraçada: eu sou de tal maneira despachada que quando era miúda e me portava mal, e sabia que ia levar duas palmadas, em vez de fugir às palmadas chegava-me depressa - naquela altura, entre os sete e os 14 anos, que vivi com uma tia - perto da minha tia para que me desse logo as palmadas. Vamos lá despachar as palmadas, pronto, já estão. Nunca levei tareias, mas a minha tia de vez em quando dava-me umas palmadas porque tinha ficado a jogar à macaca, não tinha ido logo para casa quando saí da escola, e aquilo havia ali muito rigor, portanto se é para levar palmadas, venham elas. Sou sempre um bocado apressada a fazer as coisas. As pessoas normalmente gostam do tempo, para pensar, para decidir… não. Eu penso na hora, decido na hora e quero fazer logo de seguida. Está feito, está feito. É a minha natureza, sei lá.

Quando é que começou a levar a cozinha mais a sério?

Para aí aos 17 anos. Profissionalmente foi aos 21 anos, depois de ter casado. Mas eu estive numa família, entre os 16 e os 19, a fazer companhia a uma jovem da minha idade com problemas graves de saúde. Eu tinha de fazer a comida dela, aquelas coisas dela, isso tudo. Depois houve uma altura em que a cozinheira da casa foi embora, a família era pequena - cinco, mais eu e a empregada - e eu comecei a assumir a cozinha. Eu tinha tempo suficiente, porque havia mais gente para tomar conta dela. Aí comecei a apanhar mais gosto à cozinha. Depois casei, e convidaram-me para chefiar um restaurante que é o 33 na Alexandre Herculano [em Lisboa]. Era um restaurante bom, e eu não queria era chefiar um restaurante porque não tinha assim tanta prática, cozinhar para cinco pessoas não é a mesma coisa que chefiar um restaurante. Mas o dono, que era o chefe do meu marido - o meu marido e o Luís Vaz trabalhavam os dois numa empresa de automóveis - convenceu o meu marido a ir para lá como chefe de sala, porque ele gostava muito de hotelaria, e como eu cozinhava bem convenceram-me a mim a ir chefiar o 33. E fui. 21 anos, imaturidade, irrequieta. “Ai é? Quer-me dar esta oportunidade? Então vou aproveitar”. E pronto, graças a Deus aproveitei e nunca me dei mal.

Aprendeu muito com os erros?

 

Mas nessa altura, quando eu começo a trabalhar em cozinha, os meus pratos eram calculados. Era um erro de cada vez. Um erro pequenino, um de cada vez, para não haver nada que fizesse mossa. Claro que às vezes criava algum prato que depois olhava bem para ele e “Não, não, este tem que ser melhor. É bom, mas o restaurante não merece este prato, merece um prato melhor”. E eu emendava as coisas. Depois, mais tarde, fiz erros, mas foi a nível de negócio, com sociedades, mas isso aprende-se.

Na sua cozinha, apesar de ser muito impulsiva, também é extremamente exigente.

Sim, sou impulsiva, mas tenho a calma suficiente. E sou exigente. É aquele impulso de querer fazer, mas depois dou tempo suficiente que as coisas precisam, os temperos, os tempos de cozedura, os empratamentos, depois é tudo pensado. Sim, sou exigente, senão não podia andar há tanto tempo na cozinha e ter a clientela que temos, isso só se consegue com um serviço constante, constante mas bom, e, aliás, cada vez até com mais exigência.

Já começou há 40 anos e, entretanto, o panorama gastronómico mudou completamente. O que é que acha que se mantém igual?

Olhe, quem tem amor pela cozinha tradicional portuguesa mantém-na mais ou menos igual. E quando digo mais ou menos é porque há coisas que tivemos de retirar um bocadinho à cozinha tradicional portuguesa. Foi o sal, porque a nossa cozinha portuguesa sempre foi bem temperada de sal, e a gordura. A cozinha hoje tem outro empratamento, tem outro visual. Antigamente a cozinha era muito cozinha de tacho, era muito o tacho para a mesa, a travessa muito cheia, o prato muito cheio, e hoje não, hoje tem um ar mais delicado. Agora, quem souber fazer uma boa cozinha, ou quem gostar de uma boa cozinha, continua a temperar bem, continua a deixar saboroso. Mas claro que mudou, agora já temos outros ingredientes que podemos acrescentar à cozinha que antigamente não tínhamos, as salicórnias, mais algas, os vegetais baby, ervinhas aromáticas - ervas aromáticas sempre houve, mas não se lhe dava grande importância - e estas ervas pequeninas para enfeitar o prato, para dar um visual bonito. A comida agora mudou um bocado a estética. Agora na cozinha tradicional portuguesa, ainda há quem continue a fazê-la bem feita. Nunca vamos poder fazer uma feijoada sem o feijão, sem a couve e sem o entrecosto, nunca faremos umas tripas à moda do Porto sem ter lá tripa, sem ter lá o feijão, mas podemos fazer o prato com um ar mais delicado, desde que a gente não mexa no sabor.

Também não muda o respeito pelo produto.

Não, nunca pode. Pelo produto não podemos, senão estamos a danificar a nossa cozinha. O criar… eu digo que já está tudo criado, mas não está, nós ainda temos imaginação para ir criando. Senão é aquela coisa da camisa, a camisa já foi criada há muitos anos, mas todos os dias sai uma camisa com um pormenor diferente, por isso é que há tantas marcas. Na comida é a mesma coisa, todos nós lhe damos o nosso toque pessoal. Mas temos de respeitar o produto. Pelo menos eu, é dos grandes cuidados que tenho é respeitar os produtos na minha cozinha. Aliás, na minha cozinha ninguém atira produto para lado nenhum. Na minha cozinha, os produtos pousam-se na mesa, não se atiram. Ai de alguém, se atirar com alguma coisa. 

Tem uma relação de longa data com os seus fornecedores ou costuma procurar novos produtores?

Temos de tudo. Tenho alguns fornecedores antigos, que mantenho um bom relacionamento com eles, e como eles também não querem passar para trás, vão à procura de novos produtos para nos apresentar. Mas de qualquer maneira também procuro novos fornecedores. Por exemplo, as minhas salicórnias vêm-me diretamente do Algarve, todas as semanas. Há outros produtos que nos vão sendo apresentados e que nós queremos conhecer, como é óbvio, senão ficamos parados. E não podemos parar.

Porque uma coisa boa que tem vindo a acontecer é o retorno aos pequenos produtores nacionais, que para além de ter a ver com o que falávamos, do respeito ao produto, também controla o sistema de massificação.

Sim, por exemplo, o mercado que há aos sábados aqui no Campo Pequeno, quando eu venho sábado de manhã ao restaurante por algum motivo, eu nunca venho sem ir ali comprar coisas. Quando havia um supermercado aqui na rua do lado de produtos biológicos, eu ia lá muitas vezes comprar. O que nós temos dificuldade é em encontrar pequenos produtores que nos forneçam todos os produtos que nós precisamos. Mas sempre que eu vou - e até para minha casa - a um sítio qualquer e vejo produtos biológicos, ou produtos de produtor, ou passo ao pé de uma feirinha, eu gosto de trazer e gosto de comer, porque realmente têm outro sabor. Há uma coisa que já estava perdida no tempo, que é os cuscos, os cuscos de Vinhais. Aquilo é feito com farinha, é uma mistura, há quem ache que parece arroz, mas aquilo parece mais uma massa, e já estava quase perdido, e nós estamos, eu e mais alguns colegas meus, a recuperar. Tenho uma fornecedora lá em Vinhais que os faz, são feitos artesanalmente, e estou a dar a provar às pessoas. Por exemplo, havia enchidos, como o butelo, em Trás-os-montes já estava quase esquecido, e agora alguém teve a ideia lá em Bragança de lançar o butelo, e eu já sou embaixadora do butelo, das casulas… há produtos que quase já só comíamos nas aldeias quando íamos lá, que já estão a ser apresentados às cidades, às pessoas, e nós estamos a relançá-los.

Porque as pessoas também estão mais curiosas.

As pessoas querem novidades todos os dias. E as pessoas já ouviram falar de qualquer coisa do tempo dos avós. Já ouviram falar de qualquer coisa do tempo da mãe. E não há presente nem futuro sem passado. Nós precisamos das coisas que se faziam antigamente, mas em tudo. Nós precisamos das lembranças, mesmo das lembranças gustativas, é tão importante. Eu às vezes tenho clientes que me dizem assim, “Ai estes pastéis de massa tenra fazem-me lembrar os da minha avó”. E eu digo “Ah, muito obrigada por me estar a comparar com a avó!”, brincando. “Ah, não, não quero ofendê-la, mas que saudades que eu tinha. Por isso é que eu tenho o cuidado de pensar em certos pratos que as pessoas gostariam de comer mas que não têm condições de fazê-los. Porque as mulheres hoje já trabalham, quase toda a gente trabalha. Embora cada vez as pessoas se preocupem mais com a alimentação - as pessoas gostam de saber cozinhar, gostam de saber o que é que comem, gostam de conhecer a cozinha - não têm tempo para fazer.

É uma pena que as receitas das avós e das mães se percam porque as pessoas não têm tempo de as fazer.

Por isso é que é importante que hajam restaurantes que as façam. Porque hoje em dia há famílias que se calhar só comem em casa uma vez por semana. Ao almoço, então se for aquela gama de pessoas de negócios, comem fora. À noite, muitas vezes ainda há jantares de negócios. E depois, quando não há, chegam a casa tão tarde que só querem fazer uma coisa simples. De maneira que há que nós darmos esses pratos. Perder a nossa gastronomia não, nunca. Acho que era perdermos um bocado da nossa identidade, e nós não podemos. Nós somos um país tão pequeno, temos regiões tão pequenas, e são todas tão ricas em gastronomia. De norte a sul do país, usando os mesmos produtos, todas elas têm sabores diferentes e todas elas são fantásticas. Na riqueza gastronómica, acho que ninguém nos ganha.

E agora estamos finalmente a dar valor a isso.

Olhe, eu sempre dei, sempre fiz cozinha portuguesa, e crio os meus pratos, tenho pratos da minha autoria, mas sempre com aquela matriz de cozinha portuguesa. É o meu estilo, é o que eu gosto, não gosto de cozinha molecular na minha cozinha, nem se adaptaria nunca. Gosto de comer, mas como apontamento, quando vou a restaurantes de quem a tem. Mas eu sempre habituei os meus clientes à cozinha portuguesa porque eu adoro cozinhar peixe, adoro cozinhar marisco, adoro cozinhar! Portanto eu crio pratos leves, eu gosto de cozinha suave, não gosto de cozinha agressiva. Gosto de cozinha saborosa, mas nunca agressiva. Aqueles pratos carregados de tomate, de picante, de não sei quê, que às tantas a gente nem sabe bem o que está a comer, não. Tudo com conta, peso e medida, uma cozinha suave, bem portuguesa, mas que a gente identifique aquilo que está a comer.

Como é que vê o papel das mulheres na cozinha? Porque é que acha que, pelo menos nas posições de topo, continua a ser um meio masculino?

O que é que eu penso? Porque é que a cozinha de topo, e principalmente a cozinha dos restaurantes de estrela Michelin é mais para os homens? Porque o homem tem a profissão. Pode ser casado, pode ter filhos, pode ajudar um bocadinho a tomar conta dos filhos. Se a mulher tiver a mesma profissão, quando os filhos adoecem, quem é que os leva ao médico, 90% das vezes? A mulher. Se as crianças tiverem de ficar uma semana em casa, com sarampo, com varicela, quem é que fica com eles? A mulher. Quem é que tem a preocupação de ver se há detergente em casa, se há comida no frigorífico, se a roupa está lavada, se tem de se mandar passar? A mulher. Além de ter emprego com as mesmas horas de trabalho que o homem. Portanto, quando chega uma certa altura da vida, ou principalmente se não há uma avó e se há dois filhos, já não vale a pena alguém trabalhar. Normalmente se já não vale a pena alguém trabalhar, quem é que fica em casa? A mulher. Pronto, está explicado. É tão simples como isso. Os homens às vezes até quase que desistem da vida pessoal em função de uma profissão, a mulher quer família. Para ela é mais importante ter família e ter um emprego onde ganhe um bocadinho menos e ser menos conhecida do que não ter família. Também há mulheres que são exceção, que já têm estrelas, mulheres que aplicam a vida delas à profissão e pronto. Mas isso temos que ter uma mãe que nos tome conta dos filhos. E depois é assim: nós não somos tão vaidosas pelo estrelato. A mulher não é tão vaidosa. A mulher gosta de se sentir bem, gosta de fazer bem o seu trabalho, mas tem sempre a preocupação com a família, o que não lhe permite estar 24 horas no trabalho. Porque os restaurantes pequenos, os restaurantezinhos de província, os que servem mais almoços, têm muitas mulheres lá a trabalhar. Porque conseguem trabalhar de dia e já podem ir para casa à noite tomar conta da sua família.

Mas a chef é a prova de que se consegue construir uma carreira e uma família simultaneamente.

Sim, mas não foi fácil. Eu fui teimosa e consegui criar o meu filho. Mas para isso só tive um filho, o meu ordenado era todo para o meu filho, e havia meses que não chegava, que era para pagar babysitter, colégio e a uma empregada para me fazer o trabalho de casa. Eu saía de casa de manhã, chegava depois da meia noite e tinha sempre um filho a reclamar. O que também não é bom. Com dois filhos já não me valia a pena. Já me saía tão caro que não valia a pena. Mas aí foi uma opção minha. O filho criou-se, e graças a Deus é um homem normal e bom, mas ele muitas vezes me diz “Pois, mas aconteceu isto e tu não estavas”. As mães não querem isso, porque a família é o bem mais precioso que nós temos na nossa vida.

 

Isso nunca foi coisa que me impressionasse, que fosse o meu lema de vida, nunca foi objetivo, nem pouco mais ou menos. O meu objetivo é fazer boa cozinha, ter uma casa com bons clientes, sentir-me feliz naquilo que faço e ver que as pessoas saem felizes de volta. Por isso é que eu tenho clientes que já vão na quinta geração da mesma família. Eu tenho paixão, paixão, paixão por aquilo que faço e tento sempre melhorar. Eu não tenho cozinha antiquada, tenho cozinha portuguesa. Eu gosto de ser uma cozinheira atual. Nunca fui uma cozinheira parada no tempo. Gosto de estar sempre atual.

A curiosidade é sempre uma grande parte do processo.

Sim, e a minha intuição. Produtos novos? Ai, que bom. E quero pôr, e quero fazer. Olha que bonita, esta cenourinha, vamos embora, vamos cozinhá-las. Só que faço tudo com a matriz da cozinha portuguesa.

Qual é a importância da autenticidade?

É o que prevalece, é o que prevalece para sempre. Primeiro, autenticidade da nossa personalidade. Depois autenticidade naquilo que fazemos. Acho que é das coisas mais importantes.

Três mulheres que a inspiram?

A minha tia Lucinda, que foi com quem eu aprendi a cozinhar bem. A minha mãe. E a Maria de Lourdes Modesto, foi ela a que deu os primeiros programas de culinária na televisão, os primeiros livros de cozinha que eu comprei que já tinham fotografias de alguns pratos, para a gente perceber o que ali estava. A Maria de Lourdes Modesto é uma senhora da cozinha. Ela diz que não é cozinheira, não é chef, nunca teve nenhum restaurante, mas é uma senhora que fez um grande trabalho sobre a cozinha portuguesa, grandes pesquisas, realmente ela tem-me inspirado muito. 

Irina Chitas By Irina Chitas

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