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I-co-no-clas-ta

24 Oct 2018
By Tiago Neto

David Bowie foi os anos 60, os 70, os 80 e os 90, o eterno camaleão da indústria, a liberdade no seu estado mais puro e as objetivas respiraram-no até o peito encher. O resultado de mais de três décadas de disparos chega agora a Portugal numa mostra aberta.

Desenhou uma realidade à sua medida, os limites esbatidos, os looks eternos, o individualismo, esse pecado, transformado numa comunhão global. David Bowie foi os anos 60, os 70, os 80 e os 90, o eterno camaleão da indústria, a liberdade no seu estado mais puro e as objetivas respiraram-no até o peito encher. O resultado de mais de três décadas de disparos chega agora a Portugal numa mostra aberta, e o mundo é novamente um lugar bonito.

David Bowie fotografado por Terry O'Neil © 2018 Terry O'Neil. Iconic Images
David Bowie fotografado por Terry O'Neil © 2018 Terry O'Neil. Iconic Images

"Nunca fui tão feliz”, diz Bowie. “Tenho novamente aquele velho pressentimento de que ‘vou mudar o mundo’. Já o tive antes. Já fui um idealista, depois vi os meus esforços serem mal-interpretados. Tornei-me um pessimista ávido. Um maniaco-depressivo. Agora sinto-me novamente forte ao nível mental. Dá para perceber, se ouvires o

 

Young Americans, que estou em alta. É o primeiro álbum de que gosto realmente depois do

 

Hunky Dory.” “Quero ser uma figura Frank Sinatra. E vou conseguir.” Em fevereiro de 1976, Bowie, de 30 anos, regressa a Los Angeles depois da epopeia cinematográfica no Novo México ao serviço de Nick Roeg e do seu

 

The Men Who Fell to Earth. Corinne Schwab, a sua secretária e uma das poucas peças de sobra no – sempre – mutável mundo de David, empurra um carrinho de supermercado três quarteirões acima dos Cherokee Studios onde Bowie havia de perder horas de gravação com Iggy Pop. Cameron Crowe, jornalista da Rolling Stone, autor da peça

 

David Bowie: Ground Control to Davy Jones

 

– de onde o excerto acima foi retirado – cruzar-se-á com ela e acompanhará Bowie em vários episódios. O resultado, um dos relatos mais bem conseguidos sobre o homem das muitas faces chega ao público, o

 

beat

 

Talesesco da escrita serve a energia daqueles dias e o império mediático do mestre da reinvenção volta a agitar-se.

 

"Digo-te, não tenho nada que ver com música." David Bowie

“São 4h da madrugada em Hollywood”, rascunha Crowe em maio de 75, “David Bowie treme de energia. Remexe os dedos, apontando um cigarro dentro e fora dos seus lábios franzidos, balançando suavemente num banco por trás da mesa de controlo num estúdio improvisado, olhando através do vidro para Iggy Pop”. Os dias na Los Angeles de 1970 eram o seu museu favorito. A Nova Iorque da MainMan Companies ficou para trás, o agente, Tony de Fries, teve o mesmo rumo, a dependência de terceiros esvanecia-se e a casa do baixista dos Deep Purple, Glenn Hughes, era por esta altura a morada. Liz Taylor ofereceu-lhe um papel no grande ecrã, em

 

Bluebird, mas “o guião era tão… aborrecido”, regista Crowe: “De qualquer forma os meus filmes são mais importantes.” O cinema foi, contudo, um amor sério, os

 

scripts, as ideias, os ideais, imagens empilhadas na criatividade desde que a

 

tour

 

de

 

Diamond Dogs

 

o tinha levado à estrada, dois anos antes.

 

“Sabes, eu penso que os atores mais talentosos estão todos no

 

rock & roll

 

(…) Está para vir um Renascimento cinematográfico do

 

rock. Não por causa de, mas apesar de. Digo-te, não tenho nada que ver com música. Sempre interpretei papéis com as minhas canções (…) Gosto de música mas não é, de longe, a minha vida (…) tentei o

 

rock & roll

 

porque me pareceu uma forma agradável de fazer o meu dinheiro e de tirar quatro ou cinco anos para decidir o que quero realmente fazer”, diz Bowie a Cameron Crowe.

 

A epopeia de Bowie é um repetitivo ciclo de mudança. Os perfis jornalísticos, as entrevistas, amontados de linhas na tentativa desconstrutiva da figura, seriam sempre em vão. Os retratos, infindáveis, algumas das peças mais cobiçadas do espólio deixado pelo britânico, garantem-lhe a – ainda que já assegurada – imortalidade. A elasticidade andrógina de

 

The Man Who Sold The World,

 

Hunky Dory

 

ou

 

Pin Ups, a crista visual de Aladdin Sane, a suavidade de

 

Low; Scary Monsters

 

e

 

Tonight

 

como o

 

showcase

 

gráfico e a coroação do futuro com

 

Black Star

 

anunciavam ao mundo a vinda de uma entidade irrepetível. Mas Ziggy foi muito além das capas ao longo da carreira, posou também para alguns dos mais icónicos génios da fotografia; ele, que tão desprendido usava as personagens, o eterno iconoclasta, imortalizado por objetivas.

 

“David Bowie foi muito mais do que músico, ator,

 

performer

 

ou artista plástico."

 

David Fonseca

"Além do homem que mudou o mundo da música” – em entrevista à

 

Vogue, Cristina Carrillo de Albornoz Fisac avança, sobre quem é Bowie. “Um dos mais brilhantes músicos do século XX. David Bowie foi um daqueles poucos nascidos como uma força criativa que abriu mentes pelo mundo fora.” A crítica de arte, autora e curadora, é a corresponsável pela exposição

 

Iconic Bowie, uma colheita de recados visuais que aterra em Portugal por mão da conceituada agência de gestão de arquivos fotográficos Iconic Images. De 5 de setembro a 11 de novembro, o piso 0 do Arrábida Shopping, em Gaia, servirá de casa às 40 peças disparadas por Terry O’Neill, Norman Parkinson, Justin de Villeneuve, Milton H. Greene, Gerald Fearney e Markus Klinko, além de ter uma programação musical a cargo do co-curador David Fonseca, e uma mostra de cinema que trará ao ecrã

 

David Bowie: The Last Five Years, de Francis Whately.

 

“David Bowie foi muito mais do que músico, ator,

 

performer

 

ou artista plástico”, escreve David Fonseca numa nota à exposição. “Havia nele uma conjugação de inúmeras vontades que se misturavam nas diversas áreas artísticas por onde deambulava e que transformavam cada gesto em algo maior. É difícil capturar a sua essência sem olhar para a plenitude da sua vida artística, tão variada nas suas manifestações musicais e visuais. Numa era em que tudo parece formatado, David Bowie era (e talvez seja sempre) difícil de catalogar, tal era a variedade de direções diferentes que a sua carreira aponta (…)

 

Como músico e fotógrafo, é impossível não ficar impressionado com a forma como conjugou estas duas áreas num tempo em que tudo estava para descobrir. O seu legado é um dos mais importantes da história da música popular, mantendo-se incólume à passagem do tempo. Que o lembremos sempre para que possamos aprender mais sobre o seu génio e criatividade.”

 

Também Markus Klinko, um dos fotógrafos presentes na mostra – e com um currículo em que constam fotografias de Beyoncé, Kanye West, Naomi Campbell ou Lady Gaga – respondeu à questão “Quem é David Bowie para si?” “Vou sempre pensar no David como este artista incrivelmente inteligente, com tanto conhecimento e curiosidade sobre arte, tecnologia, Moda e sobre a vida em si. Ele não era limitado unicamente pela música, era também gentil e um grande colaborador. E, claro, o sujeito mais fotogénico que um fotógrafo pode alguma vez ter à frente da câmara.” Acredita que o legado de David Bowie está a ser bem cuidado? Estamos a fazer o suficiente para o assegurar e passar às próximas gerações? Cristina: “A sua magia e luz pertencem à eternidade, portanto, o seu trabalho é tão poderoso que nos convida a celebrá-lo sem parar. Desde que morreu, o mundo continua ininterruptamente a prestar-lhe homenagem. Exposições, concertos com outros músicos, lançamento de novos álbuns… Bowie é e continuará a ser verdadeiramente uma

 

rock star

 

sem paralelo – alguém cuja música e estilo impactaram o mundo como poucos. A sua influência estendeu-se muito além dos seus contemporâneos.” Markus Klinko: “Nunca vi tanto amor e respeito por um artista como aquele que o David recebe de tantas gerações de fãs pelo mundo. Esta exteriorização de reverência não parou desde a data da sua morte, e creio que ele será sempre conhecido não só como um dos mais influentes artistas mas como um ser humano exemplar. Acabei de participar num dos mais espetaculares tributos que lhe foram dirigidos por iniciativa do Spotify! Uma estação de metro inteira dedicada a ele com as minhas imagens a cobrir escadas e estruturas enormes. Verdadeiramente épico.”

Controverso, à frente do tempo, Bowie estava longe da consensualidade. Questionada sobre qual a posição real de Starman no panorama temporal, Cristina responde: “Não falaria de Bowie em termos de controvérsia; nunca foi esse o seu objetivo. Ele era um camaleão que se limitou a criar personagens e identidades diferentes, tal como os atores. No entanto, importa salientar quão destemido, livre e rebelde era o seu espírito (…) estava continuamente a experimentar novas direções musicais, misturando estilos que intrigavam e confundiam os fãs (…) E é certo que ele, tal como todos os grandes artistas, estava à frente do seu tempo. Um pioneiro.” Klinko fala da energia sentida com a proximidade. “Era verdadeiramente eletrizante! Ele foi certamente uma das pessoas mais carismáticas que alguma vez conheci. A sua imponente forma de estar era realmente única em pessoa, muito mais do que através dos meios de comunicação.”

 

Sobre o critério na escolha das peças que integram a mostra, a co-curadora fala numa intenção de “abranger toda a sua carreira, mostrar a sua força camaleónica interior e de que forma esta evoluiu ao longo dos anos. Magicamente, cada Bowie oferece algo intenso e único, algo de que ele tinha consciência; a capacidade de surpreender era tremenda”. Para Markus Klinko o disparo preferido de Ziggy já está escolhido: “Meditation. Durante a sessão de 2001 ele ajoelhou-se, muito espontaneamente, e ficou assim apenas por um segundo. Consegui esse disparo à mão, uma imagem única. É da que mais gosto!”

 

Na questão das preferências musicais da obra do britânico, Cristina e Markus optam por temas diferentes. “Tenho mais do que uma favorita” – explica a espanhola, “mas vou dizer a

 

Let’s Dance

 

cujo sucesso o catapultou para a capa da

 

Time Magazine. A

 

Let’s Dance

 

foi literalmente o

 

template

 

do Bowie dos 80s: doce, meio romântico, loiro e sorridente”. Menos dividido, o suíço atira “a

 

Fashion, talvez”. E o melhor período de Bowie? Markus prefere o Bowie do novo milénio “por volta de 2001, quando trabalhei com ele pela primeira vez. Ele estava no seu melhor!” “O sofisticado dos anos 80” é a escolha de Fisac. “A música 80s de Bowie demonstrou um largo espectro de interesses musicais desde o

 

new wave, ao

 

dance rock, passando pela

 

pop

 

sofisticada de todos os tipos.”

 

A obra é extensa e o alcance profissional atravessa diversas áreas, mas, para Cristina Fisac,

 

Iconic Bowie

 

continua a ser um desafio. “Todos os projetos, independentemente do tamanho, são assuntos delicados e desafiantes porque estamos a lidar com uma mostra pública de trabalho – ou parte dele – de um grande artista. Neste caso, é um projeto íntimo mas o facto de ser num centro comercial coloca uma moldura muito desafiante na tentativa de atrair públicos que talvez não fossem a museus.”

 

Iconic Bowie, segunda a domingo das 9h às 23h. Sexta e sábado das 9h às 24h. Até 11 de novembro, no Arrábida Shopping.

 

Arrábida ShoppingPraceta de Henrique Moreira 244, 4400-346 Afurada, Vila Nova de Gaia

 

* Artigo originalmente publicado na edição de setembro de 2018 da Vogue Portugal.

 

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