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Tão pouca roupa, tanta coisa para vestir

20 Sep 2019
By Ana Murcho

Esqueça tudo o já leu sobre armários-cápsula. Mesmo que nunca tenha lido nada. Há várias maneiras de manter o seu guarda-roupa livre de excessos e amigo do ambiente. A ciência (ainda) não explica, mas é provável que as suas manhãs se tornem mais descomplicadas.

Esqueça tudo o já leu sobre armários-cápsula. Mesmo que nunca tenha lido nada. Há várias maneiras de manter o seu guarda-roupa livre de excessos e amigo do ambiente. A ciência (ainda) não explica, mas é provável que as suas manhãs se tornem mais descomplicadas.

© Getty Images
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Ao longo da vida, uma mulher passa, em média, 287 dias a decidir o que vestir. “Que exagero...”, sussurra a leitora entre dentes, desconfiada. “Como se fosse possível...” Antes de nos culpar a nós, simples mensageiros, saiba que estamos do seu lado. É um exagero. Parece impos- sível. No entanto, é a mais pura verdade. A informação foi revelada numa conferência Ted Talk, em 2016, pela professora Frances Corner (College of Fashion, Univer- sidade de Londres), uma sumidade em tudo o que diz respeito a moda. Se considerarmos que a expressão “decidir o que vestir” significa, mais coisa menos coisa, estar sentada em cima da cama a olhar para o guarda-roupa enquanto somos invadidas por uma sensação de desespero, isso quer dizer que perdemos quase um ano das nossas vidas a ser atacadas por uma espécie de anemia mental que não conseguimos controlar porque: a) temos demasiadas opções à nossa disposição; b) detestamos as opções à nossa disposição; c) estamos sem paciência; d) todas as anteriores. Porque é que isto acontece? Não queremos ser extremistas e assumir que padecemos de oniomania (sim, o vício das compras é uma patologia), contudo, é muito provável que sejamos mais consu- mistas que as nossas avós. A culpa não é nossa. Fomos habituadas a desejar coleções novas quatro vezes por ano, depois oito vezes por ano, depois... todas as semanas. Perdemos a noção da diferença entre necessário e extravagante. Os “preços baixos” da moda rápida (e fácil) cegaram-nos. E, envergonhadas com o nosso comportamento, fechámos os olhos à quantidade de tralha que guardamos dentro das nossas gavetas e dos caixotes que escondemos debaixo da cama. Moral da história: podemos ter todos os looks da estação, mas não é por isso que andamos mais bem vestidas. Ou que gostamos mais de nós. “Atualmente, compro roupa quatro vezes por ano, ou menos. Não compro todos os fins de semana ou para todos os eventos." Solução: converter o caos que nos rodeia à ordem de um armário-cápsula. Adotar um estilo de vida mais consciente. Dezenas de motivos podem empurrar-nos para esta decisão. O de Courtney Carver, mentora do site Be More with Less e do desafio Project 333, foi muito específico. “Estava a simplificar a minha vida desde 2006 quando fui diagnosticada com esclerose múltipla. Decidi que que- ria encontrar uma forma de ser saudável e vibrante mesmo com a doença. Em 2010, já tinha eliminado a desordem da minha dieta, do meu calendário e da minha casa, mas não achava que o meu armário fosse stressante. Pensei que fazer compras aliviava o stress. Quando percebi que as compras estavam a contribuir para o meu stress por causa do tempo extra, do espaço, do dinheiro e da atenção que dava ao meu guarda-roupa, decidi ver como seria se me vestisse com menos. Prometi a mim mesma que me iria vestir com 33 peças, ou menos, durante três meses, incluindo roupa, acessórios, joias e sapatos. Os 33 itens não incluem roupa íntima, pijamas ou roupa de ginástica. Escondi todas as minhas outras peças para esse desafio.” Como é que o processo aconteceu? O que começou como uma missão pessoal transformou-se num projeto de vida. “Atualmente, compro roupa quatro vezes por ano, ou menos. Não compro todos os fins de semana ou para todos os eventos ou [dependendo] de todas as emoções. Costumava pensar ‘Amo fazer compras’, mas fazer compras era a minha distração da dor; a dor do tédio, do desapontamento, da tristeza, da exaustão. [...] Sempre achei que precisava de usar algo novo ou especial para provar algo a mim própria. Precisava dos saltos certos para me sentir poderosa ou de um vestido novo para me sentir sexy ou de um casaco trendy para me sentir composta. Desde que comecei a vestir-me com menos, encontrei confiança em quem sou e não nas coisas que uso. Hoje, sinto-me poderosa, sexy e preparada de dentro para fora, e não ao contrário.” E sublinha: “Agora que não perco as minhas manhãs a decidir o que vestir, as minhas noites e fins de semana a fazer compras online, ou a experimentar uma coisa após outra no shopping, sinto menos fadiga na hora de decidir e tenho mais clareza. Um guarda-roupa cápsula faz com que vestir seja fácil. A maior parte das coisas que tenho combina umas com as outras, por isso não tenho de perder tempo a experimentar roupa ou a escolher!” Courtney Carver não descobriu a pólvora. Está provado que, hoje em dia, as pessoas compram 60% mais roupa e mantêm-na por metade do tempo do que há 15 anos; dessa roupa, usam apenas 20%, ou seja, repetem certas peças até à exaustão. Daí a pergunta: para quê manter tanta coisa à nossa volta? Elizabeth Cline, jornalista, autora do best-seller Overdressed: The Shockingly High Cost of Cheap Fashion e do recente The Conscious Closet: The Revolutionary Guide to Looking Good while Doing Good, tem uma forma muito pessoal de abordar a construção de um armário-cápsula. “Amo moda e sou fanática por roupa, mais do que nunca. Há um equívoco de que gostar de moda consciente vem à custa do estilo ou de um vestuário menos cool. Eu descobri exatamente o oposto, na verdade. Quando era compradora de fast fashion só adquiria roupas baratas que eram consideradas modernas ou trendy. Colocava talvez dez minutos de pensamento numa compra. Era uma forma muito chata e impulsiva de me vestir e, como resultado, parecia uma vítima da moda. Através da construção de um closet consciente, desenvolvi um estilo pessoal, aprendi a reconhecer qualidade e bom corte, e descobri designers interessantes que estão a fazer roupas que valorizo muito mais do que qualquer coisa que já comprei na prateleira dos saldos de uma marca de fast fashion.” E a transição nem foi muito penosa. “Não foi difícil mudar. É uma jornada, não uma transformação de um dia para o outro, mas ser um consumidor de moda consciente tornou a minha vida muito melhor. Eu amo as minhas roupas. O meu guarda-roupa traz-me alegria. Faço parte de uma comunidade de ativistas, defensores e amantes da moda que estão a trabalhar para mudar o mundo para melhor. Acredito, fundamentalmente, que os seres humanos anseiam por conhecimento e anseiam por uma conexão com os objetos nas suas vidas e com as pessoas [que estão] ao seu redor. Quando conhecemos a história completa por detrás do que vestimos, isso faz com que o processo de comprar, e até de nos vestirmos, seja mais gratificante.” Se ainda não está convencida, continue a ler, porque Elizabeth Cline não a quer converter numa agnóstica da roupa. “Nada no meu livro encoraja os leitores a serem minimalistas ou a terem apenas 33 peças de roupa. Se isso lhes agrada, vão em frente. Mas eu sou a prova viva de que é possível construir um guarda-roupa dinâmico que seja ao mesmo tempo elegante e consciente.” "O guarda-roupa cápsula está a ter um enorme comeback e a assumir um significado renovado na era da mudança climática. É uma forma de parecer chique e polida enquanto se toma uma posição pelo meio ambiente." Porque, na verdade, consciente nem sempre significa ultrareduzido. “O meu closet está cheio de peças de designer e encontrei-as todas no mercado de revenda, que é sustentável. Também possuo muitas peças de marcas mais sustentáveis que fazem básicos de alta qualidade. Essas marcas usam materiais muito melhores do que as marcas de fast fashion, por isso [as peças] duram para sempre.” Dito isto, Elizabeth Cline garante que a melhor maneira de ajudar o planeta ainda é seguir a nossa intuição. “Sem sombra de dúvida, a melhor maneira de reduzir a nossa pegada de moda é manter as nossas roupas em uso por mais tempo. E isso pode ser feito de várias maneiras. Podemos comprar em segunda mão. Podemos vender ou trocar peças no final da temporada, e assim elas ganham uma segunda vida e duram mais. Podemos alugar em ocasiões especiais. Podemos cuidar muito bem das nossas roupas, certificando-nos que removemos manchas, substituímos botões e cosemos pequenos defeitos, para que possam ser usadas por outras pessoas.” Courtney Carver concorda. “Seja curioso e experimente. Observe o que acontece quando não está concentrado tanto nos seus recursos e nas suas roupas. O 33 não é um número mágico, por isso se outro número funcionar para si, experimente-o.” Por último, é tudo uma questão de bom senso, garante Cline. “O guarda-roupa cápsula está a ter um enorme comeback e a assumir um significado renovado na era da mudança climática. É uma forma de parecer chique e polida enquanto se toma uma posição pelo meio ambiente. Mas acho que a fast-fashion também se torna cansativa para algumas pessoas. Claro, há um conjunto de mulheres que realmente gosta de mudar o armário a toda a hora e seguir as tendências, mas há outras que se querem vestir, parecer arranjadas e continuar os seus dias sem muito ruído. O guarda-roupa cápsula agrada a essa mulher e sempre agradará.” Reconhecendo a nossa relação com a roupa como algo essencial, porque é que tantas vezes sentimos que, apesar do armário estar a abarrotar de coisas, não temos nada para vestir? Courtney tem uma explicação. “Organizar o seu armário ano após ano, estação após estação, é apenas um penso-rápido para um problema muito maior. Temos demasiadas coisas. Temos muito mais do que o que precisa- mos e fomos levadas a acreditar que ainda não temos o suficiente. Não temos os sapatos certos, o casaco trendy da estação, o little black dress perfeito ou a mais recente carteira. Limitamo-nos a comprar, comprar, comprar. E isso nunca é suficiente. No geral, acredito que é por estarmos insatisfeitas com outras partes das nossas vidas e, em vez de descobrir porquê, escolhemos o caminho mais fácil e compramos algo novo. Sentimo-nos melhor por um bocado, e então percebemos que estamos de volta ao sítio onde começámos. É porque não estamos a resolver o problema certo.” Se este relato lhe parece familiar, é porque é. Mas, e se falharmos? E se sucumbirmos a um macacão de lantejoulas de €30 ou a uma camisola de €15? E se, daqui a uma semana, comprarmos um vestido incrível numa das dezenas de lojas de fast fashion (vestido esse que só sairá de casa para a formatura dos nossos primos, que têm 12 anos) e um chapéu de PVC num mega saldo online? Somos más pessoas? A resposta de Cline é peremptória: “A moda rápida não é um fracasso pessoal, é uma falha do mercado. Isso só pode ser resolvido mudando as nossas leis e regulamentos e cultivando e protegendo as nossas vidas e identidades fora do mercado de consumo. Por outras palavras, esses problemas não serão resolvidos por ignorar um macacão de lantejoulas. É aqui que temos de nos lembrar que somos cidadãos primeiro, não consumidores. O que todos queremos é um ambiente sustentável e salários justos para as pessoas em todos os lugares - e, honestamente, não deveríamos ter de escolher entre produtos éticos e antiéticos numa loja. Tudo o que compramos deve ser feito de forma justa. E isso tem de ser resolvido a um nível público, mudando as nossas políticas e regulamentos. Por isso, é igualmente importante aumentar a consciencialização sobre este problema, compartilhar essas informações com ou- tras pessoas e votar em líderes que se preocupem com os trabalhadores e com o meio ambiente, para que possamos mudar este sistema desde a raiz.” Agora sim, moral da história: devemos deixar de comprar roupa para sermos mais sustentáveis? Não! Isso seria o mesmo que deixar de conduzir, para sempre, os nossos carros porque poluem o ambiente. Mas talvez não nos faça mal começar a fazer uma lista das peças que nos fazem realmente falta. A Vogue dá uma ajuda. As nossas manhãs, e a nossa esperança de vida, agradecem.    Na Vogue Portugal de setembro de 2019, nas bancas, listamos uma sugestão de básicos que pode ser limitada em número, mas (quase) ilimitada em looks. Artigo originalmente publicado na edição de setembro de 2019 da Vogue Portugal.    

Ana Murcho By Ana Murcho

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