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Flores, groundbreaking? Só se forem comestíveis

05 Jun 2019
By Cátia Pereira Matos

Passámos de querer usar peças de vestuário e acessórios com padrões florais para querer devorar flores às horas das refeições. Investigamos esta tendência que está a florescer em bebidas e em pratos doces e salgados, em diversos bares, restaurantes e cafés do país.

Passámos de querer usar peças de vestuário e acessórios com padrões florais para querer devorar flores às horas das refeições. No Dia Mundial do Ambiente, investigamos esta tendência que está a aflorar em bebidas e em pratos doces e salgados, em diversos bares, restaurantes e cafés do país.

Há uma cena d’O Diabo Veste Prada sobejamente conhecida: Meryl Streep, a.k.a Miranda Priestly, na pele da diretora da publicação de Moda fictícia Runway, responde sarcasticamente a um membro da sua equipa, que lhe propõe acessórios com flores para a edição de abril da revista, com um olhar de desprezo e a frase: “Flores? Na primavera? Groundbreaking.” Ainda que nesta altura do ano não seja propriamente original recorrer a peças de vestuário e a acessórios com flores para criar um guarda-roupa adequado à meia-estação quente, incluir flores comestíveis em pratos e em bebidas já é outra história — uma bem mais entusiasmante, saborosa e apetecível, diga-se.

Em Portugal, nunca como agora as refeições e as happy hours foram tão floridas, com chefs de cozinha e bartenders a recorrerem a diversas espécies de flores comestíveis para despertar a visão e o paladar de quem se senta à mesa de um restaurante ou de um bar à espera de uma experiência memorável. Apesar do uso de flores próprias para consumo humano não ser a última novidade do mundo gastronómico — um livro publicado em 1973 e intitulado The Forgotten Art of Flower Cookery já dava conta da prática —, o momento do boom, nacionalmente falando, parece ser, precisamente, o momento presente e raros são já os espaços de fine dining, de norte a sul do país, onde as flores não marcam presença.

A cozinha do Vista, o restaurante de uma estrela Michelin do Bela Vista Hotel & Spa, em Portimão, mais parece um jardim, dada a quantidade de flores comestíveis ali existentes. “Estamos a utilizar muitos amores-perfeitos, capuchinhas, fidalguinhos e flores de alecrim, de alho, de hibisco, de maçã e de limoeiro. São as que estão agora na época”, diz o chef João Oliveira, que até há umas semanas estava também a fazer uso de flores de amendoeira. Neste momento, há flores comestíveis a brotar em pelo menos dois pratos principais — numa barriga de atum com vinagre de sabugueiro, flor fresca de sabugueiro, óleo de lavanda e dashi fumado com tutano e num carabineiro com flor de alho — e numa sobremesa — a Flores de Primavera, uma criação do chef de pastelaria Carlos Fernandes, que junta fidalguinhos e amores-perfeitos frescos a uma compota de hibisco com mirtilhos e a um gel de lavanda e vinagre de arroz.

Por estes dias, os menus de degustação do LOCO também estão mais floridos. Quem conseguir garantir uma mesa no concorrido restaurante de uma estrela Michelin de Alexandre Silva, em Lisboa, vai deparar-se com um prato de carabineiro onde o chef utiliza cravo chinês, cravo-túnico e calêndulas, outro de berbigão à Bulhão Pato onde não faltam flores de coentros e ainda com uma sobremesa com capuchinhas.

Igualmente floridos estão os novos pratos do Fortaleza do Guincho, o restaurante em Cascais que serve o hotel com o mesmo nome e que mantém uma estrela Michelin há já 18 anos. Para os confeccionar, é comum o chef Gil Fernandes deitar a mão a malvas, capuchinhas, azedas e madressilvas, mas também a flores de sabugueiro, de borragem, de mostarda e de rabanete. “Utilizamos muito o que temos à disposição aqui na serra de Sintra”, resume o cozinheiro de 28 anos.

No caso de Gil, é o próprio quem trata de ir à procura, e colher, as flores. Tanto ele como a equipa do Fortaleza do Guincho fizeram um curso para identificarem as espécies comestíveis e possuem livros especializados para estarem “sempre informados”. Por vezes, também chegam a comprar flores, e nessas situações optam pelas biológicas, à semelhança de outros chefs de cozinha, que recorrem a fornecedores como a Microgreens, uma empresa portuguesa de produção e comercialização de mciro vegetais, ervas aromáticas e flores comestíveis.

Ao natural, mas não só

Utilizadas na cozinha com diversos fins, as flores comestíveis conseguem dar mais cor, fragrância e sabor a sopas, saladas, pratos de peixe e de carne, sobremesas e cocktails. Certas espécies, como os cravos-túnicos e as capuchinhas, têm um sabor mais amargo e apimentado, enquanto outras, como as rosas e os amores-perfeitos, possuem um sabor mais doce e aromático. Como qualquer outro ingrediente, têm que ser usadas com bom senso e conhecimento de causa. “As flores ajudam-nos em todos os sentidos: dão charme, perfumam e enriquecem nutricionalmente os nosso pratos. Umas têm mais perfume e podem ser utilizadas numa infusão; outras são mais estéticas e ficam bem na apresentação dos pratos; umas ficam mais amargas com a ação de temperatura quente, portanto usamo-las a temperaturas frias; com outras, mais doces, podemos ou não usá-las a temperaturas altas. Temos sempre que fazer experiências para perceber o potencial das flores”, diz Gil Fernandes. A mesma opinião é partilhada por João Oliveira. “Dependendo do nível de frescura ou de acidez tanto podemos fazer um óleo, um concentrado ou vinagre”, conta.

Deste modo, à questão “flores frescas ou cozinhadas?” os chefs de cozinha e os bartenders respondem geralmente com um “depende”: depende da flor, do modo como reage à ação do frio ou do calor, da própria aparência. “As flores acabam por influenciar a parte estética de um prato, é incontornável. Para muitas pessoas essa parte faz muito sentido, mas para mim se a flor está no prato tem de ter um porquê”, atira João Oliveira. O chef à frente do Vista dá o exemplo de um snack que fez recentemente: uma amêijoa com vodka de sabugueiro. “Aquela parte floral e adocicada das ervas e flores de sabugueiro ligava super bem com as amêijoas. Era muito interessante.”

Flores que chegam a muitas cozinhas

Desengane-se quem pensa que isto de cozinhar com flores comestíveis pertence somente ao universo da mais alta gastronomia e dos restaurantes iluminados por estrelas Michelin. No Almeja, um restaurante do Porto que assenta numa cozinha de autor com raízes portuguesas, há diversos pratos com flores: o do peixe do dia, servido com espargos, tem flores de sabugueiro; o de mexilhão com tremoço e kiwi é finalizado com flor de alho e o de porco com grelos e cogumelos é adornando ora com flores de trevo, ora com capuchinhas. As sobremesas são igualmente florais: há rosas, cravos e flores de sabugueiro.

As flores comestíveis também existem em grande quantidade na cozinha do Sr. Lisboa. Neste pequeno restaurante de petiscos próximo da Avenida da Liberdade, o chef Pedro Sousa usa regularmente capuchinhas, cravos-túnicos e botões de Sichuan. “Recorro a outras flores se fizer algum evento mais especial, como o dia de São Valentim. Mas para evitar as clássicas rosas prefiro os micro amarantos: são mais doces, delicados, finos e com notas de beterraba”, explica.

Sem sairmos da capital, conseguimos aterrar na Ásia assim que entramos no Soão. Aqui, as preferências do chef Luís Cardoso e do head bartender Vasco Martins passam por gerânios, amores-perfeitos, bungavílias e rosas. “Gosto de um detalhe, e não há detalhe mais bonito do que uma flor”, assume o responsável pelo bar deste restaurante pan-asiático. A carta de cocktails nem deixa margem para dúvidas: tanto o Patong, com dois tipos de rum, leite de coco, shrub de manga, sumo de lima e xarope de carambola, como o Sojito, uma espécie de mojito feito à base de soju, têm rosas; já o Bombaim, com rum, manga e canela, leva um xarope de amêndoas e rosas e é depois adornado com amores-perfeitos e bungavílias. Tudo se bebe e tudo se come.

Também em cafés nascem flores. Em locais como o Fauna & Flora, o Comoba, o Amélia e o Naked, todos em Lisboa, servem-se bowls de pequeno-almoço e panquecas com um registo floral.

Os benefícios nutricionais

São já vários os estudos sobre a composição nutricional das flores adequadas para consumo humano. Um realizado por cinco investigadores portugueses da Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Bragrança, do Departamento de Química da Universidade de Aveiro e do Laboratório de Bromatologia e Hidrologia da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto destaca a percentagem de água e a quantidade de macro e micro nutrientes (minerais e vitaminas) das flores comestíveis mais comuns. “Do ponto de vista nutricional, a flor pode ser divida em três componentes principias: o pólen, o néctar e as pétalas e outras parte. Embora a quantidade de pólen seja muito pequena, este é uma fonte muito rica de proteínas, hidratos de carbono, gorduras, carotenóides e flavonóides. O néctar contém uma mistura equilibrada de açúcares, proteínas, lípidos, sais minerais, ácidos orgânicos, compostos fenólicos, alcalóides e terpenóides. As pétalas (…) podem também ser uma importante fonte de vitaminas, minerais e compostos antioxidantes”, lê-se no estudo, divulgado na Acta Portuguesa de Nutrição.

Uma outra pesquisa realizada em Portugal também demonstrou o potencial antioxidante das flores comestíveis. Isto sim, é groundbreaking. Todavia, há que ter em conta que as quantidades dos nutrientes e compostos são bastante reduzidas, à semelhança das próprias flores, tão pequenas, tão delicadas.

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