Opinião   Editorial  

Editorial Maio 2019

03 May 2019
By Sofia Lucas

Com a chegada da edição de maio de 2019 da Vogue às bancas, tem a palavra Sofia Lucas, diretora.

"Love is the answer, but while you are waiting for the answer, sex raises some pretty good questions."

- Woody Allen

Sharon Stone. © Branislav Simoncik
Sharon Stone. © Branislav Simoncik

Esperamos tudo do Amor. Esperamos que seja incondicional. Esperamos que seja anárquico. Que seja tão intenso quanto calmo, que seja revolução e paz. Que seja a cola que une famílias e comunidades, que seja a mensagem maior a passar de geração em geração. E esperamos, sempre, que nunca seja demais o que esperamos, seja ele platónico ou carnal.  

Mas da ligação entre Amor e Sexo ainda persiste um mistério, tão complexo quanto o universo que separa o que se deseja, do que se precisa e o que realmente se vive. “Parte da ideologia moderna do amor é assumir que o amor e seco andam de mãos dadas. podem fazê-lo, mas eu acredito que é mais em detrimento de um ou do outro. E provavelmente o maior problema para os seres humanos é que eles não andam de mãos dadas.” A afirmação de Susan Sontag, apesar de um fundo de verdade, é algo simplista. Quanto mais de perto analisamos o que consideramos "sexy", mais claramente entendemos que o erotismo é o sentimento de excitação que experimentamos ao encontrar alguém com quem nos identificamos.

A nossa cultura encoraja-nos a (re)conhecer muito pouco do que realmente somos no ato sexual e o porquê do que nos atrai. Qualquer que seja a forma com que consumamos o nosso desejo físico, ela estará sempre intimamente ligada às nossas ambições mais centrais e profundas. Por mais física que seja a atração que nos move, ou o ato sexual, a excitação não é uma reação fisiológica grosseira; é um êxtase que sentimos ao encontrar alguém que possa pôr de lado alguns dos nossos maiores medos e com quem podemos esperar construir algo mais permanente.

O sexo é também uma âncora, que nos lembra a nossa própria humanidade, imperfeita, e a riqueza confusa de ser humano: sem sexo, seríamos perigosamente invulneráveis. Poderíamos acreditar que não somos ridículos. Não conheceríamos a rejeição ou até a humilhação, ou as mais perversas formas de prazer, tão intimamente. Poderíamos envelhecer respeitosamente, convencidos do tanto que sabemos, mas poderíamos desaparecer em números e palavras, sozinhos. Diz um ditado místico tibetano: “estamos aqui para perceber a ilusão da nossa separação”. 

"Uma edição que é muito mais do que uma questão de sexo, mas sim um compêndio sobre as várias questões no Sexo e na Sexualidade. Numa viagem anti-preconceito e anti-tabus, de contradições, de liberdade de escolhas e afirmação, de investigação e descoberta."

O sentimento espiritual tem um fundo biológico. O impulso de nos fundirmos com outro corpo, temporariamente no sexo ou permanentemente numa simbiose reprodutiva, é mais que uma metáfora. Quando nos relacionamos com alguém, no sexo ou no amor (ou, mais raramente e idealmente, em ambos), provamos que o nosso isolamento não é permanente. Todos nós podemos estar ligados, e precisamos de estar ligados.

O fenómeno da Spring Fever, ou a predisposição para o flirt e o aumento do desejo sexual, está cíclica e inevitavelmente ligada ao nosso instinto animal. A temperatura sobe, os dias ficam mais compridos e a luz do sol intoxica-nos com uma sensação de liberdade pós-cativeiro invernoso e sombrio. Libertamo-nos do casulo e dos layers de roupa onde hibernámos durante 6 meses, e a pele exposta passa a ser o tecido da estação. Estamos rodeados de feromonas e pólen, e as variações hormonais confirmam a nossa essência que, por mais evoluídos nos julguemos, ainda reage ao instinto reprodutivo tatuado no nosso ADN. E os padrões, não estampados em tecido, mas nos comportamentos, tornam-se muito mais animais. Estatisticamente, vários estudos concluem um aumento da libido e da prática de sexo (na ordem dos trinta por cento) durante a estação primaveril.

Mas, estatísticas à parte, talvez algum instinto animal se tenha fundido com o instinto editorial que ditou o tema da Vogue de maio. Sex Issue(s). Uma edição que é muito mais do que uma questão de sexo, mas sim um compêndio sobre as várias questões no Sexo e na Sexualidade. Numa viagem anti-preconceito e anti-tabus, de contradições, de liberdade de escolhas e afirmação, de investigação e descoberta. Numa viagem que começa à flor da pele e termina nas profundezas do comportamento sexual. 

Foi um intenso mês de abril, ou não fosse este o mês da Liberdade, em que desenhámos e produzimos esta edição. Nos bastidores da Vogue, viveu-se um pouco de tudo, como as limpezas de primavera, que exorcizam as más energias e que dão espaço a tudo o que são as boas vibrações, sobretudo às da paixão e do prazer com que esta equipa deu forma à exaltação dos sentidos e às mais variadas experiências sexuais: do flirt aos preliminares, explorando a diversidade, e arte, do prazer, tão egoísta quanto altruísta, do empoderamento à submissão, da masturbação ao sexo em grupo, culminando na poesia e no pragmatismo do orgasmo. Não, não é da vida intima da equipa que falo, mas da excitação editorial com que nos entregámos a cada tema e a cada imagem desta edição. 

Da fogosidade dos brainstormings preliminares ao clímax de receber nas nossas mãos esta revista impressa, não posso afirmar que o prazer foi todo nosso. Desejo, sim, que a sensualidade do toque do papel, ao folhear cada página, seja puro prazer. Tão nosso quanto seu.

Editorial originalmente publicado na edição de abril de 2019 da Vogue Portugal. 

Sofia Lucas By Sofia Lucas

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