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Beleza Colateral: a influência que o cinema tem nas nossas escolhas de beleza

26 Feb 2020
By Mónica Bozinoski

No grande ecrã, cabem todos os cabelos encaracolados, cortes com franja, sobrancelhas fartas, pestanas volumosas, sombras azuis e batons vermelhos. E nas escolhas que fazemos desde que Hollywood existe também.

No grande ecrã, cabem todos os cabelos encaracolados, cortes com franja, sobrancelhas fartas, pestanas volumosas, sombras azuis e batons vermelhos. E nas escolhas que fazemos desde que Hollywood existe também.

Se perguntar a qualquer pessoa se alguma vez se sentiu influenciada pela sétima arte, é possível (melhor, quase certo) que a resposta seja sim – ou porque a história era tão fascinante que fez alguém querer que a sua vida fosse igual, ou porque a banda sonora era tão boa que fez alguém querer aprender a tocar piano, ou porque o guarda-roupa era tão transcendente que fez alguém querer comprar um casaco preto em vinil. Quando o tema é Hollywood e o impacto que uma indústria com nove letras pode ter naquilo que somos, queremos, escolhemos e fazemos, pouco importa o género cinematográfico, a veracidade do enredo ou o ano em que o filme se estreou nas salas de cinema.

Flashback a 2001. Quatro anos depois de J. K. Rowling ter editado o primeiro livro de uma saga que deixou uma geração inteira a sonhar com o dia em que ia ouvir a frase “you’re a wizard, Harry”, o filme Harry Potter and the Sorcerer’s Stone estreia-se nos cinemas portugueses. Tinha sete anos na altura. Tive medo do Voldemort – na verdade, não tive grande vontade de dormir quando cheguei a casa. Quis ter uma varinha e uma capa preta – um desejo que acabou por se concretizar num qualquer Carnaval ou Halloween. E olhei, pela primeira vez e com olhos de ver, para o cabelo de uma personagem. Não, não foi para o ginger idílico do Ron Weasley – e muito menos para o loiro lambido de Draco Malfoy, um look de assinatura que Kim Kardashian West decidiu transportar para a vida real (os memes falam por si) em 2015. Em vez disso, o foco foi a textura volumosa e um tanto encaracolada de Hermione Granger, que fez a miúda de sete anos com um cabelo igualmente encaracolado e um tanto rebelde sentir-se menos estranha ao espelho.

Apesar de não ser a típica influência de Beleza quando se pensa no mundo da sétima arte – as grandes divas do Cinema como Marilyn Monroe, Sophia Loren ou Elizabeth Taylor seriam escolhas certamente mais consensuais -, a Hermione Granger de Emma Watson foi uma espécie de primeira heroína para os cabelos que têm vida própria. De repente, e graças a um mundo imaginário projetado numa tela, ter um cabelo indomável com caracóis castanhos não era uma coisa assim tão trágica – mas quando os fios de Granger começaram a mudar, as minhas referências cinematográficas de Beleza começaram a mudar com eles.

Dei por mim a querer uma franja como a de Mia Wallace (Uma Thurman), no clássico Pulp Fiction, ou a de Elvira (Michelle Pfeiffer) no igualmente memorável Scarface, dois ícones daquele corte mais-do-que-perfeito – uma característica que não se aplicou ao meu cabelo depois de um pequeno projeto do it yourself em frente ao espelho da casa de banho. O desastre ensinou-me três coisas: primeiro, existem franjas que ficam melhor na ficção do que na vida real; segundo, e mesmo que a desgraça o justifique, existem pessoas que não conseguem mesmo pull off uma bandolete; e terceiro, existem outras formas de canalizar aquela beleza de Mia e Elvira.

Com a franja fora do ecrã, dei por mim a querer pintar o cabelo de loiro. Não, não queria o loiro lambido de Draco Malfoy – as imagens em movimento na minha cabeça tendiam mais para Jane Henderson (Nastassja Kinski) em Paris, Texas, Margot Tenenbaum (Gwyneth Paltrow) em The Royal Tenenbaums, Elle Woods (Reese Witherspoon) em Legally Blonde, ou Vivian Ward (Julia Roberts) em Pretty Woman. Apesar de não ter existido tinta, existiu uma quantidade questionável de champôs de camomila, aclaradores de cabelo e raios de sol. A experiência, spoiler alert, não revelou nenhum platinado à la estrela de Hollywood – em vez disso, ensinou à miúda que (ainda) tinha um cabelo encaracolado, volumoso e (quase) impossível de domar que, às vezes, a beleza também se esconde debaixo de uma peruca loira. E em filmes como Sleeping with the Enemy, My Best Friend’s Wedding ou Runaway Bride – ou, por outras palavras, três very good hair days para os caracóis volumosos de Julia Roberts nos anos 90.

Depois dos desastres e quase desastres, veio um filme chamado Love and Other Disasters (pun intended) com Brittany Murphy no papel de Emily Jackson-Jacks, uma americana em Londres com um look de beleza que, apesar de não ter muito que se lhe diga, deixou uma adolescente completa e perdidamente fascinada. Um cabelo castanho de comprimento médio com franja (damn it, not again), umas vezes solto, outras vezes apanhado; uma pele entre o natural e o boneca de porcelana; um cat eye imaculado, com pestanas e sobrancelhas a condizer; e uns lábios definidos com um tom rosado. Se é por acaso que o allure de Jacks soa familiar? Adivinhou, não é por acaso – da mesma forma que não é por acaso que, a dada altura na longa-metragem, vemos a personagem de Murphy deitar-se no sofá para ver o seu filme favorito: o Breakfast at Tiffany’s.

Também a dada altura, mas desta vez na vida real, deitei-me no sofá para ver aquele que viria a ser o meu filme favorito – e aquela que viria a ser a minha maior referência de beleza no Cinema, fosse com uma Funny Face, com o nome Sabrina, ou no papel de My Fair Lady. Dos visuais em How to Steal a Million – consigo lembrar-me de uma ou outra ocasião em que o cat eye, a sombra de olhos ultrabrilhante e as pestanas bem carregadas foram o look de eleição – ao corte de cabelo um tanto radical em Roman Holiday, sem esquecer as sobrancelhas sempre fartas, perfeitamente preenchidas para criar aquele tão característico arco – o eu adolescente detestava-as, mas o eu adulto já não imagina um rosto sem elas -, as personagens de Audrey Hepburn na sétima arte exercem, desde sempre, uma influência inexplicável no que diz respeito a escolhas (às vezes até inconscientes) de beleza. Afinal de contas, foram poucas as personagens que, como Holly Golightly em Breakfast at Tiffany’s, conseguiram imortalizar um batom no grande ecrã – mesmo quando o tom do mesmo permanece um mistério.

Apesar de existir uma paixão mais do que declarada aos looks de Ann, Sabrina, Jo, Holly e Nicole (todas elas personagens interpretadas por Hepburn), o coração da beleza é um pouco como o grande ecrã – não há nada que não consiga caber dentro dele. E foi com essa realização que o olhar se começou a desviar para o tipo de maquilhagem que não passa despercebida nem no cinema, nem na vida real.

As sombras azuladas que decoram os olhos de Angela (Anna Karina) em Une Femme Est Une Femme, de Dorothy Vallens (Isabella Rossellini) em Blue Velvet, de Layla (Christina Ricci) em Buffalo ’66 e de Elaine (Samantha Robinson) em The Love Witch preenchem a lacuna do “porquê” de me sentir strarstruck sempre que vejo um qualquer produto de ma- quilhagem com o mesmo tom. Nos raros dias em que uso batom vermelho, são os rostos de Satine (Nicole Kidman) em Moulin Rouge!, da Catwoman (Michelle Pfeiffer) em Batman Returns, de Schatze Page (Lauren Bacall) em How to Marry a Millionaire, ou a de Sugar Kane Kowakcykz (Marilyn Monroe) em Some Like It Hot – e nos outros todos, que tantas vezes pedem tons mais discretos, há a imagem de Séverine Serizy (Catherine Deneuve) em Belle de Jour, de Mrs. Robinson (Anne Bancort) e de Elaine Robinson (Katharine Ross) em The Graduate, ou de Camille Javal (Brigitte Bardot) em Le Mépris.

E porque não há beleza sem elas, as pestanas – como quem diz, as de Tracy Chambers (Diana Ross) em Mahogany, alongadas e separadas; as de Sally Bowles (Liza Minnelli) em Cabaret, altamente dramáticas e teatrais; as de Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones) em Chicago, com um volume marcante e sensual; as de Edie Sedgwick (Sienna Miller) em Factory Girl, perfeitamente fiéis ao olhar quase artístico da musa de Andy Warhol; e as de Freya Carlson (Sharon Tate) em The Wrecking Crew. Estas últimas, meticulosamente separadas, incrivelmente longas e com um volume verdadeiramente invejável, são aquelas que não me saem da cabeça desde que Once Upon a Time... in Hollywood, o nono filme de Quentin Tarantino sobre a Golden Age de Hollywood – e a Golden Age dos looks de beleza de Sharon Tate – chegou às salas de cinema.

Graças a Margot Robbie, que encarna a pele da atriz naquele que é um recontar à la Tarantino dos acontecimentos da Los Angeles de 1969, as pestanas arquitetónicas de Sharon Tate são a prova de que a influência do cinema está viva e de boa saúde. Afinal de contas, sétima arte e beleza vencem-nos sempre pela liberdade, experimentação e fantasia, seja através de uma peruca de cabelo cor-de-rosa – gostava de conhecer alguém que não tivesse pensado na possibilidade de usar uma depois de ver Natalie Portman no filme Closer – ou com uma série de brilhantes aplicados nas pálpebras superiores e inferiores – tal como o look de Elizabeth Berkley em Showgirls, qual Euphoria qual quê.

Venha a tecnologia que vier (streaming, cof cof), o grande ecrã será sempre o sítio para o qual corremos quando precisamos de escapar ao “aborrecimento” da vida real – e encontrar os looks de beleza que vão ser tudo menos aborrecidos. Mas se dúvidas restassem, não são só as pestanas de Sharon, vistas em toda a sua glória em filmes como Valley of the Dolls ou Eye of the Devil, que espero ver, ansiosamente e todos os dias, ao espelho – o comprimento do cabelo imaculado de Robbie na pele de Tate em Once Upon a Time... in Hollywood revelou-se toda a inspiração que precisava para dar mais uns centímetros ao meu. Já o loiro brilhante, esse, vai ficar para outro dia – por muito amor que tenhamos ao cinema, dispensamos os danos colaterais. Pelo menos por agora. 

Artigo originalmente publicado na edição de fevereiro de 2020 da Vogue Portugal. 

Mónica Bozinoski By Mónica Bozinoski

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