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Coisa mais linda: Bruna Marquezine fala sobre a fé, o discurso feminista e a era do Instagram

12 Jun 2019
By Patrícia Domingues

A Salete, de Mulheres Apaixonadas, cresceu, dentro e fora do ecrã, aprendeu a dizer que não, a respeitar o próximo e a si mesma e a não deixar que o Google nem ninguém se intrometam entre si e a sua verdade.

Provavelmente Bruna Marquezine irá fazer cara feia quando vir este título. 

Desconfiamos porque Bruna Marquezine faz cara feia quando aquilo que dizem quando a veem é que está mais magra ou mais bonita e prefere que lhe perguntem se está mais feliz, coisa que ela está. A Salete, de Mulheres Apaixonadas, cresceu, dentro e fora do ecrã, aprendeu a dizer que não, a respeitar o próximo e a si mesma e a não deixar que o Google nem ninguém se intrometam entre si e a sua verdade. "Ah, se ele soubesse/ Que quando ela passa/ O mundo sorrindo se enche de graça/ E fica mais lindo/ Por causa do amor".

Como é a sua ligação com o mundo que a rodeia? Como se relaciona com os outros? Eu sou uma pessoa bem fechada no primeiro momento, não me abro com facilidade. Mas sou uma extrovertida, e no momento em que me sentir confortável e se eu me sentir segura sou bastante brincalhona, gosto de falar, gosto de conversar. Não sou tímida, mas dependendo da ocasião eu me fecho um pouco. 

E o que procura no outro? Numa amizade, por exemplo. Na verdade, eu não procuro as pessoas. Acho que é o tipo de coisa que acontece naturalmente e não quando você busca. Gosto que aconteça com naturalidade, leveza, e também não tenho qualquer pressa para qualquer tipo de relacionamento, amizade, nada. Então eu gosto que as coisas aconteçam no tempo certo. 

Quais são as características que aprecia no outro? Pessoas sinceras, verdadeiras, de caráter, divertidas. Gosto de pessoas leves, livres, porque me inspiram. Gosto de estar rodeada de pessoas que me inspiram ou que despertam em mim o desejo de ser melhor ou de melhorar em alguma área da minha vida. Pessoas criativas, pessoas que gostam de arte, porque isso de certa forma me alimenta também. 

Ao longo do seu crescimento, quem foram essas pessoas?Já me cruzei com pessoas incríveis. O meu trabalho me proporcionou isso desde muito cedo e eu pude aprender com muita gente e tive oportunidades incríveis. Tive a sorte, fui abençoada por Deus, de me ter cruzado com muita gente legal. Tem pessoas que se tornaram amigos e [com] que eu preciso estar de tempos em tempos, que é como se fosse para recarregar. Ganhei alguns presentes com a profissão e houve alguns que viraram família. E dentro da minha casa, todos os meus familiares me inspiram muito, a minha irmã é mais nova do que eu mas é sem dúvida uma inspiração pela leveza, pela paz de espírito, pela tranquilidade, pela doçura. A minha mãe pela força, pela habilidade de transformar as experiências negativas, difíceis, que ela viveu em lições de vida. A maneira como ela se torna uma mulher forte. Meu pai pela generosidade, pelo carinho, pela simplicidade – meu pai é um homem muito simples e isso é algo que admiro muito nele. 

Herdou algumas dessas características? Acho que herdei um pouco da minha mãe e do meu pai e aprendo diariamente com a minha irmã. Com a minha mãe, a força. Eu às vezes me surpreendo porque eu sou muito sensível, movida por sentimento, mas eu me impressiono... Principalmente na área do trabalho. Eu me impressiono com a minha força e eu acho que isso vem dela. O meu pai foi quem me ensinou a levar a vida de uma forma mais simples e o meu meio, o da televisão e da Moda, é um tanto doido e às vezes pode-se tornar algo fútil e distanciar a gente da nossa essência. E eu sinto que sempre que estou perto do meu pai – e o meu pai é um cara que gosta de estar perto da natureza e que não precisa de muito – me alimento. 

Como mantém a sua verdade no meio desse fogo de artifício?São meios que mexem com a imagem e consequentemente com o ego, então às vezes se torna um ambiente competitivo, um ambiente que eu não sinto que é seguro, e por isso é que é tão importante identificar os anjos que cruzam o nosso caminho. A minha família é a minha base, ter amigos fora desse meio, cuidar muito bem dessas amizades, porque são essas pessoas que me ajudam a manter o pé no chão, a me lembrar quem eu sou. Outro componente essencial é fé. Independentemente do que acredita, ter fé em algo. Eu acredito muito em Deus e ele sempre me aproxima da minha essência. 

Como descobriu essa fé?Eu nasci numa família cristã, no highschool – eu estudei numa escola americana no Brasil que era cristã – e foi aí que me comecei a aproximar de Deus, porque até então era mais um costume da família e era mais religião do que um relacionamento com Deus. Algo mais superficial. Desde cedo ouvia a palavra, tinha costume de ir à igreja, mas na adolescência foi quando comecei a levar a sério. Sempre deposito toda a minha esperança, medos, entrego tudo nas mãos de Deus, porque sozinha não conseguiria. Essas são as coisas essenciais para manter o eixo, o foco, não se perder. Fé, família e pessoas que me inspiram e que eu amo. 

E que lhe fazem bem? É importante sentirmo-nos amados. Uma pessoa que ama vai ser sempre verdadeira e preocupar-se com você. E são essas pessoas que quero ter por perto, até no trabalho. Eu trabalho com pessoas que sei que gostam de mim e em quem eu confio. Jamais trabalharia com alguém – na minha equipa – que acho que não gosta de mim. Aí eu acho que vai para um lugar frio demais. Já temos de trabalhar com tanta gente que não conhecemos, então tento rodear-me ao máximo de pessoas [com] que me sinto segura, [em quem] confio e [que] gostam de mim. Porque eu sei que são essas pessoas que me vão dizer a verdade, que vão brigar comigo quando tiver de brigar, que vão dar elogios verdadeiros – porque a gente também ouve tanto elogio que é da boca para fora – e que vão fazer críticas construtivas e então eu tento me rodear dessas pessoas. 

É muito fácil cair no erro de estar num meio em que toda a gente só elogia. E é muito fácil acreditar na opinião do outro, principalmente quando é negativa. É muito mais fácil acreditar na opinião negativa do que na positiva. Mas independentemente de ser boa ou má, é fácil acreditar no que o outro tem a dizer. A gente tem esse costume. De ouvir muito e refletir pouco. De olhar pouco no espelho e buscar autoconhecimento, então é muito mais fácil acreditar no que o outro tem a dizer. Por isso eu prefiro ter pessoas em que confio e que vão ser sinceras por muito que a verdade seja dura. Isso me ajuda. O processo de autoconhecimento não é fácil, mas é necessário. E ter pessoas assim ao seu redor facilita. 

Sempre soube dizer que não? Ou foi aprendendo? Eu sempre fui muito transparente. Algumas vezes – hoje em dia já não – disse sim querendo dizer não, com medo de machucar. Mas sempre ficou claro que estava a ir contra a minha vontade. No início, perto da adolescência, quando estava me tornando uma jovem mulher, comecei a trabalhar com a minha assessora de imprensa que hoje é minha empresária e ela me dava bronca porque eu era transparente demais. Se alguém fizesse um comentário que eu não gostasse eu fechava a cara ou passava a responder à pessoa de uma outra forma. E nos meus relacionamentos pessoais sempre foi assim, digo que sim mas a cara está dizendo que não. Hoje eu já não luto contra isso. Por um tempo lutei e não deu certo... Até porque eu acho que é agressivo comigo mesma. Dizer que sim para agradar o próximo e me ferir a mim mesma, porque para não se indispor a gente se acaba limitando, tentava me colocar em caixas [em] que eu não cabia e não fazia muito sentido. 

Foi um processo? Eu acho que quanto mais você se conhece, quanto mais você se sente segura com quem você é, com o seu corpo, quanto mais você entende o seu lugar nesse mundo e valoriza o seu jeito único, é mais fácil. 

Olhando para trás, mudaria alguma coisa? Sou muito grata por tudo o que eu vivi e o que eu passei. Sou grata inclusive pelos momentos difíceis, porque eu acredito que tudo o que aconteceu na minha vida foi com a permissão de Deus e para o meu crescimento pessoal e aprendizado. Mas... se eu pudesse evitar um bocadinho o sofrimento que eu passei por falta de autoestima, de amor próprio, eu diria para mim mesma que eu deveria escutar um pouco menos os outros e me amar. Fazer esse exercício diário de me olhar no espelho e ver coisas positivas e praticar diariamente esse exercício de me amar porque eu passei por uma fase um tanto complicado por conta disso. Críticas e comentários, às vezes por muito bobos, externos, interferiram e potencializaram isso. Mas sou grata por esse processo duro e difícil porque hoje fica muito claro para mim o quanto eu me tratava mal e eu hoje já não permito que ninguém faça isso muito menos eu comigo mesma. 

E era isso que diria a alguém que estivesse a passar pelo mesmo? Sim, principalmente nesse mundo em que vivemos hoje, de redes sociais, a gente vive muito de aparência, de imagem. Com a era do Instagram a gente acha que like é afeto, seguidor é amizade, comentário é carinho e não é. E a gente vive de imagem, do comentário alheio, do que o outro tem para dizer da foto que foi postada... Então eu acho que principalmente jovens – porque já é uma fase complicada em que a gente se está conhecendo, se descobrindo, descobrindo o que quer fazer da vida, quem a gente quer do nosso lado, tomando decisões importantíssimas, porque na juventude a gente começa a decidir que rumo a gente quer que a nossa vida tome. O conselho que eu daria é que os jovens comecem a valorizar mais relações verdadeiras do que virtuais. Adoro Instagram, sou viciada, mas cheguei nesse ponto de achar que curtida era afeto, que o que estavam dizendo ali era mais importante do que o que eu achava de mim mesma. E a gente não pode acreditar tanto na opinião do outro, positiva ou negativa. Negativa porque está no olho do outro, algo que até então a gente nem considerava defeito, no corpo, no modo de agir... por muito tempo tentei me limitar e colocar em caixas até perceber que o que eu tinha de diferente era o que me tornava especial. Foi um processo sofrível mas essa hora chegou. O positivo também é perigoso, os elogios são perigosos, porque se começa a acreditar muito em tudo o que falam chega a uma hora que você acha que não precisa aprender mais nada, que está tudo ótimo, que não precisa evoluir no seu trabalho, que é uma pessoa maravilhosa e aí a gente para de evoluir. Para de querer melhorar. E a gente tem sempre algo a melhorar, a aprender. Então eu acho que é uma preocupação essa mistura que os jovens fazem entre vida virtual e vida real. Eu vejo em muitos dos que me seguem e me sinto quase responsável por eles. Por fãs. Porque são meninos e meninas que muitas vezes estão acompanhando mais a minha vida do que vivendo a deles. E isso me preocupa. Tenho muito cuidado em não incentivar nenhum tipo de fanatismo. Eu entendo admiração, fico muito grata pelo carinho e apoio que me dão, mas eu me sinto responsável, parece que estou de alguma forma tirando a vida, a juventude deles. Às vezes a gente fica muito tempo naquilo ali e nem sabe o que está vendo mais... Se eu não tiver nada para fazer eu acordo e já pego no celular. Antes de dormir fico com o celular na mão. Se você me perguntar no dia a seguir o que eu vi eu já nem lembro. Então eu tento fazer esse exercício de não ficar vivendo a vida do outro... 

Até porque o passo seguinte é a comparação. É. A comparação é um grande perigo. Eu durante muito tempo, mesmo fazendo parte desse mundo e conhecendo os bastidores, ainda assim me comparava com as meninas que eu via, com as fotos que eu via no Instagram, as fotos de capa de revista, e é muito triste isso. Primeiro porque – e isso não é necessariamente uma crítica negativa mas – o que a gente vê em capas e ensaios de revistas não é real. E isso tem de ficar claro. E tudo bem porque às vezes são trabalhos que são arte e são tratados – eu só não acho bem quando modificam o corpo. Já algumas vezes tive de pedir para não fazerem isso em fotos minhas. Mas no passado pedia, mas isso fez parte do processo até eu perceber que me estava a enganar. Porque você pega uma foto sua, edita e posta e as pessoas comentam que está linda, mas aí você se olha no espelho e só entra no processo de se enganar, “só sou bonita se eu me editar”. Mas essa coisa da comparação é superperigosa porque a gente se compara com coisas que não são reais. Fotos editadas, meninas que... – e nada contra, eu já fiz operação estética – mas a gente se fica comparando com meninas que já fizeram operação estética, e ficamos sempre em comparação com coisas que não são reais ao invés de olhar no espelho e falar, “ah estou feliz. Mas não estou feliz com o cabelo, vou cortar”. Mas não porque eu me estou comparando com alguém, porque eu quero. Vou mudar a cor, vou me dedicar a um estilo de vida mais saudável, eu vou até fazer uma operação, o que seja, mas porque eu quero e não porque eu me estou comparando com alguém. A gente nunca vai ser outra pessoa e temos de buscar a nossa melhor versão. A gente tem de começar a valorizar de facto o que é único. É muito louco porque a gente está vivendo essa era de aceitação, de... 

Está a começar a ser falado. Sim, falar sobre já é um início. Sobre amor próprio, sobre valorizar o diferente e principalmente respeitar o diferente, já é o início. Porque precisamos de começar a falar, para as pessoas se consciencializarem e aí as coisas vão acontecendo. Mas o discurso sem o exercício diário não vale de nada. Nós temos falado muito de feminismo, graças a Deus, mas eu costumo dizer que eu estou-me tornando cada vez mais feminista, porque é uma prática, é um exercício diário. Eu não venho de um lar feminista, meus pais não me deram essa educação, deram-me uma educação maravilhosa mas não feminista, é uma novidade para todo o mundo. 

O mundo ainda não é feminista. É, então nós mulheres estamos aprendendo. É muito mais fácil na hora de você pedir um aumento, porque um rapaz exerce a mesma função que você e ganha mais, dizer “porque eu sou feminista, eu quero direitos iguais”. Mas é muito difícil, por causa da cultura machista em que vivemos, quando você namora alguém e quando uma outra mulher – só isto já é machista de falar – te ameaça de alguma maneira, ou seja, te deixa insegura, você não falar dela, denegrir a imagem dela... Então é uma prática. “Aquela menina” e respirar fundo e pensar “não, eu não vou falar, eu tenho de aprender a respeitar ela do jeito que ela é, entender qual é o meu real problema com ela, sem diminuir ela, sem denegrir a imagem dela”. E isso é muito difícil. Começar a olhar para mulher e por mais que a gente não se identifique não tecer uma crítica – porque ensinaram isso para gente, as mulheres se criticam muito, não se elogiam muito... 

Muitas mulheres nem sabem aceitar elogios. Não sabem. A gente fica meio envergonhada, tenta diminuir. “Ai que lindo” e nós “ai nem é meu” [risos]. É verdade. Mas não temos o costume de elogiar outras mulheres. Para mim, é o dia a dia. Às vezes é olhar para outra pessoa com quem não me identifico ou que não admiro e achar alguma coisa, porque tem alguma coisa [de] que eu gosto. Encontrar uma mulher na rua e mesmo não havendo uma identificação imediata olhar e pensar “eu gosto dessa roupa, eu gosto do jeito que ela fala, do perfume, do cabelo, quando ela ri alto” e falar e elogiar, porque a gente precisa de trocar esse carinho, esse afeto, para se unir. Porque a gente cresceu escutando que a gente tinha de competir por trabalho, competir por homem, competir por quem é a mais bonita, a mais inteligente, então a gente olha para a outra como a inimiga. A gente tem de ir quebrando isso aos poucos e é só com afeto, com amor, com carinho, com respeito. O discurso do feminismo, tal como o discurso da aceitação, sem o exercício para mim não tem um grande efeito. Por mais que você acabe propagando a ideia, é necessário incentivar a mudança de comportamento, ter isso em mente para a gente se começar a policiar, a policiar as amigas, “não fala isso na minha frente porque eu não concordo com essa maneira de pensar”, e por aí vai. 

É como os comentários sobre o corpo e o bodyshaming. Eu utilizo uma regra que é, se não der para a pessoa mudar em cinco segundos (como, tem uma coisa no dente) eu não falo. Porque as pessoas dão opinião de forma gratuita, como dizerem “está magra demais”, e a Bruna falou sobre esse assunto numa série de stories que fez a que chamou Empatia. E é um assunto de que queria falar consigo: empatia. Isso não faz o menor sentido para mim, ver pessoas comentando da roupa, do corpo, do jeito do outro. Porque eu entendo que a partir do momento em que eu falo para uma pessoa que eu não gosto do que ela veste, o que eu acho que ela precisa mudar no corpo dela, que eu não gosto do jeito de que ela fala, como ela se comporta, eu entendo que eu estou-me achando no direito, que eu tenho direito sobre ela, controle sobre ela. Quando alguém fala para mim “você está magra demais”, eu falo assim “você não tem nenhum direito no meu corpo, você não é dono do meu corpo”. Porque é que a gente invade tanto o outro assim? É muito invasivo. 

E que a pessoa não sabe se está a atingir o outro. Porque do outro lado está uma pessoa. Eu hoje me sinto na minha melhor fase, isso porque eu estou na minha melhor fase porque se não estivesse certamente levaria um comentário desses em conta e isso ia-me machucar muito, mas hoje eu estou na minha melhor fase e eu vejo mulheres falando para mim “ah mas o seu cabelo não é bom” e aí você pensa “se você soubesse o quanto isso é cruel”. Porque eu estou justamente no momento em que eu mais estou me amando, e aí você vem com o teu olhar, que pouco importa porque... Bom, quando eu fiz essas stories sobre empatia, sobre olhar para o outro com carinho, com mais amor, com mais cuidado, eu vi muitas pessoas respondendo dizendo “ah mas eu só dei a minha opinião e eu tenho o direito de me expressar e todo o mundo tem o direito de dar a sua opinião”. Eu fiquei pensando: onde é que termina o direito de dar opinião? Qual é o limite desse direito? Porque se você sabe que o que você vai falar pode ferir, você realmente precisa dar a sua opinião? É uma necessidade tão grande assim dar a sua opinião, por mais que ninguém tenha pedido a sua opinião? As pessoas falavam isso e eu pensava “mas isso é o pior argumento possível”, porque se vai ferir alguém, para quê? Principalmente alguém que você não conhece. 

E depois pessoalmente não lhe dizem, é só na Internet. Sim, pessoalmente não dizem, mas cometem um outro erro, que é: “Como você está bonita você está muito magra.” E aí, magra vira sinónimo de elogio. E não é. Abre o dicionário que você vai ver. Magra é uma característica física, assim como gorda não é uma crítica. 

E sempre que fazem isso eu faço um sorriso meio amarelo, porque eu não quero ser grossa e falar: “Mas eu era feia quando eu não estava tão magra?” E aí como eu não quero deixar a pessoa constrangida eu dou um sorriso meio amarelo e a pessoa fala “não, é sério, nunca esteve tão linda, você está muito magra”. É doido como as pessoas têm esse, não sei se é um apego, com um corpo e a aparência, sabe? São raras as pessoas que chegam perto de mim e falam “meu Deus como você está feliz, como a sua energia está boa, como você parece estar mais leve”. As pessoas sempre falam primeiro da aparência. Aí eu fico tentando, porque eu estou aqui falando, mas a gente pratica o mesmo, às vezes é difícil e eu cometo erros também e é uma coisa que eu fico tentando lembrar. Olhar para alguém e não falar da roupa, de caras. Às vezes, eu me pego fazendo essas coisas. 

Tem mais de 35 milhões de seguidores. Em relação à responsabilidade de que há pouco disse que sente para com as pessoas que a seguem, como faz para gerir as suas redes sociais? Tenta passar um retrato verdadeiro daquilo que está a passar? Eu não divido muito a minha vida pessoal nas redes sociais. A minha página é basicamente para trabalho, divulgo o meu trabalho, e é uma ferramenta de trabalho, não existem mais campanhas sem posts envolvidos, enfim. Claro que também divido um pouco da minha vida pessoal, mas nada que me exponha muito. Por mais que eu admire pessoas que conseguem dividir a vida, eu não consigo. Não é para mim, e não é nenhuma crítica. Eu não consigo, eu não tenho esse hábito de dividir muito. Então quando eu tenho um dia ruim eu normalmente não falo. Até porque depois as pessoas distorcem muito o que eu falo, no Brasil os media são um tanto sensacionalistas, aí vira uma matéria e eu prefiro não dividir muito da minha vida. A minha preocupação e responsabilidade é dividir coisas em que acredito. Quando eu não estou postando sobre trabalho eu tento postar sobre projetos [em] que eu acredito, causas que eu defendo e tento ser um bom exemplo. Eu não quero ser um exemplo de perfeição, até porque não existe, mas eu não gostaria de forçar essa barra da perfeição até porque eu acredito que isso não ajuda ninguém e vai muito contra o meu discurso, dizer para a gente se aceitar e tentar ser uma pessoa perfeita no Instagram, uma menina sempre bem humorada... Nessas stories sobre empatia eu falei de uma fase muito difícil que eu tive depressão, que eu sofri muito, então eu tento ser verdadeira, mas acabo não dividindo muito. Tentar ser sincera, não camuflar o que eu penso, o que tenho a dizer por causa do politicamente correto. Tento ser fiel a mim. 

É das coisas que mais se lê ditas pelos seus fãs, que é verdadeira. Eu acho que a troca é muito maior quando somos verdadeiros. Eu entendo que por muito tempo havia aquela coisa da diva, que era aquele ícone perfeito que não cometia um erro, e as que cometiam deslizes eram loucas, as pessoas que mostravam um pouco de humanidade eram as loucas. Esse conceito de diva é um tanto cafona hoje em dia. Que é essa pessoa inatingível, sempre impecável, não tem olheira, não fica cansada... É uma pessoa perfeita e eu sou contra isso porque dessa forma a gente não troca nada com ninguém. A pessoa vai para um pedestal e você pratica comparação ou você coloca a pessoa num lugar de deusa. Eu acho que a gente tem muito mais a ensinar e trocar quando mostra as nossas fraquezas. A nossa força está na nossa fraqueza. Principalmente como o meu público é muito jovem, e passa pelas mesmas coisas que eu passo, eu tento falar disso quando eu acho que é possível, quando eu me sinto confortável, eu não tento vender uma imagem de perfeição ou criar um personagem para as redes sociais. Eu falo do que eu acredito, às vezes eu posso até errar por causa disso, mas prefiro. É tão legal quando você vê alguém que você admira e ela fala de um momento que ela viveu que você também viveu. É uma sensação de liberdade, de alívio, de pensar “meu Deus, eu realmente não estou sozinha. E aquela pessoa que eu admiro tanto, que eu tenho como uma inspiração, passou pela mesma coisa que eu”. E isso dá uma força, dá um ânimo para superar as dificuldades. Então a gente precisa de alguma forma de ajudar porque a gente fica tentando ser perfeito e não dá, a gente nunca vai conseguir agradar todo o mundo também e está ótimo... 

Só nos temos uns aos outros. E estamos todos cheios de defeitos. É, por isso se existe uma maneira de contribuir é sendo verdadeiro. As redes sociais aproximam e distanciam as pessoas, e ao invés de continuar distanciando ídolos dos seus admiradores, a gente começa a aproximar e isso é muito mais rico. A troca é mais rica. Porque você traz para perto as pessoas e dessa maneira consegue de facto aprender alguma coisa. 

As redes sociais vieram trazer às figuras públicas um poder de se exprimir e passar as mensagens que querem passar. Isso é ótimo. As redes sociais para mim servem também como uma fonte segura para que as pessoas busquem o que eu tenho a dizer. No Brasil ainda é muito forte essa imprensa de fofoca, que eu não considero nem jornalista e peço desculpa aos profissionais que se considerem ofendidos. Existe uma imprensa muito sensacionalista que acaba contorcendo muito tudo o que é dito e acontece porque é esse desespero por clique, like, seguidor, então vou falar o que atrai. E acho isso cafona. Achar que o que atrai é a coisa ruim, falar o preço da roupa, falar uma história, dizer que errou. É um erro porque incentiva isso nas pessoas, que busquem coisas negativas. E isso é tão antigo. Se estamos numa era de transformação devíamos começar a publicar coisas positivas, valorizar o que a pessoa fez, o que disse, e eu acho que a imprensa tem esse dever. De começar a divulgar mais notícias positivas porque o público vai consumir essas notícias também. É uma responsabilidade. É chato... Eu fui aprendendo a lidar, quando eu era muito jovem isso me incomodava muito, a cada notícia mentirosa que saía eu queria me posicionar, falar. Algumas vezes fiz e não resolvia porque acabava incentivando, piorava a situação, um depoimento meu rendia outra matéria, distorcida, enfim. Era uma bola de neve que ia crescendo sem fim. Se algo me incomoda muito eu falo nas redes sociais e falo diretamente com o meu público. Outras vezes fico quieta porque as pessoas têm memória muito curta e o que acontece hoje daqui a dois dias ninguém mais lembra até porque amanhã vai acontecer algo maior. Essa coisa da fofoca é muito passageira, muitas vezes as pessoas anos depois nem lembram que aconteceu. 

Menos a pessoa que é alvo da mentira. Menos quem é a vítima. Quando eu vejo algo que é mentira mas não me afeta muito deixo passar e tento não trazer essa energia para mim. Eu não tenho alerta do Google com o meu nome, não jogo o meu nome no Google por nada nem por cachê. [Risos] No início quando comecei a trabalhar com a minha assessora ela ainda me mandava coisas, porque outros clientes pediam, até que um dia eu falei “não me manda mais nada, eu não quero saber. Se não for de um veículo muito legal, de um crítico falando do meu trabalho, ou se não for algo muito grave, se não for um nude para vazar você não me manda”. Porque você acaba sofrendo por bobeira e você vai aprendendo a lidar. 

Como é que a Bruna olha para o futuro? O que gostava que a sua geração se esforçasse para criar ou para mudar? Ai tanta coisa tem de mudar. Principalmente no meu país. Eu tenho muito orgulho na minha geração porque eu vejo um desejo muito forte de aprender, de melhorar, de se consciencializar, de caminhar em frente. Eu acho que ainda falta muito amor no olhar pelo próximo, muita empatia, escutar o outro com o coração aberto. Mas eu vejo que é uma geração mais ligada, que quer falar sobre assuntos importantes e mudança, mas falta união, empatia. Não existe uma verdade radical completa. A sua verdade não é a minha. E eu tenho de entender isso. E arranjar uma maneira de viver em harmonia com isso. Me respeitando, te respeitando. A gente tem de buscar o conhecimento e autoconhecimento. A gente consome muito conteúdo inútil, sabe? Isso é algo que eu gostaria de mudar também, ser mais crítica, seccionar melhor o que vou consumir para evoluir, crescer, aprender.

É que de repente olhamos para o mundo e vemos dois países enormes conduzidos por regimes políticos que não estaríamos muito à espera. No caso do meu país é um caso assim único. A situação já não estava boa, não acho que melhorou... Mas eu acho que a população precisa de praticar empatia, respeito, buscar mais conhecimento, estudar. Os jovens precisam estudar. Temos muito a aprender com a história, com o passado. Se a gente não estuda e esquece do erro que cometemos no passado, que outras gerações cometeram, a gente volta a cometer. Então é gravíssimo. Buscar conhecimento em fontes seguras. Questionar. Porque senão vira um questionamento burro. Nada adianta ter sede pelo conhecimento, se escuta uma fonte e toma aquilo como verdade. Temos de escutar diversas pessoas. Vivemos muito numa bolha, eu sei o quanto sou privilegiada, a bolha em que vivo, então a gente tem de saber escutar, refletir – porque a gente também fala muito –, buscar fontes diferentes para que a gente não cometa os mesmos erros. E lembrando que o que a gente acredita não é a verdade única, existem outras realidades. É um grande desafio viver em harmonia com o que às vezes é o oposto do que acreditamos, mas é necessário. Eu amo conversas com pessoas, ouvir pessoas, porque faz com que consiga abrir o meu campo de visão. Amo mudar de ideia, porque isso quer dizer que estou aprendendo e expandido o campo de visão. Temos de ver valor no que o outro tem a dizer, a gente só aprende assim. Fechamo-nos na nossa realidade, nas nossas experiências, acho que é isso. Que mais? 

 

Ficha técnica:Fotografia: Branislav SimoncikRealização: Cláudia BarrosCabelos: Cláudio Pacheco com produtos L'Óreal ProfessionnelMaquilhagem: Patrícia LimaAssistentes de realização: Larissa Marinho e Maria FaléProdução: Helena Silva @SnowberryA Vogue Portugal agradece ao Roof Design Studio e a Bit by Bit todas as facilidades concedidas.

Artigo publicado originalmente na Vogue Portugal de junho de 2019.  

Patrícia Domingues By Patrícia Domingues

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